terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ouvindo o silêncio

A fé é a crença ilógica em fatos improváveis, dizia o velho sábio ao discorrer sobre os insondáveis mistérios da fé.
Papah Yankee estava lá na varanda do seu sítio em Maracutaia da Serra a explicar para os noviços sobre as dificuldades em trabalhar os poucos países que lhe faltava, quando um PU perguntou preocupado: “E se o cluster* ficar fora do ar durante a expedição? Como fazer para saber onde eles estão?”
“Lembro-me de uma expedição a Bouvet”, começou Papah Yankee, eu estava com uma estação modesta, o linear em reparos e a direcional com um elemento quebrado pelo vento”. “Bouvet” – explicava – “é um desses países que aparecem no ar a cada 10 ou 15 anos, do quilate de Heard”.
A expedição havia sido anunciada inesperadamente e não haveria tempo de preparar a estação, no máximo, esticar um dipolinho para 20 metros e tentar a sorte. Ele havia recebido um telefonema de um colega que havia escutado um QSO do grupo operando móvel marítimo, já próximo a ilha. “Fique atento, a expedição deve começar a qualquer momento”, concluíra o amigo.
O país seria novo em CW e não poderia ser perdido. Seria preciso trabalhá-lo antes dos outros, antes do pile-up ficar grosso, porque não haveria outra chance com uma estação pequena.
“Com o fluxo solar alto, os americanos iriam chegar forte com suas enormes monobandas empurradas pelos kilowatts e nos atropelariam ser qualquer dificuldade”, explicava Papah Yankee para os noviços. Imaginou-se, então, no lugar dos expedicionários: “Como iriam eles iniciar a operação? Em que banda? Qual a melhor hora? Qual a frequência?” Depois de muito pensar, ele decidiu: “14025 a partir das 17:00 local, o que significaria uma abertura deles para a Europa. Sem dúvida os noruegueses iriam privilegiá-la, e a essa hora, seriam boas as condições para o Brasil, além do que, a propagação não estaria completamente aberta para os USA, o que aumentariam as chances.
No dia seguinte, dia previsto para o início da operação, ele sentara-se defronte ao velho equipamento, sentira o cheiro das válvulas aquecendo-se, ajeitara os fones e pusera-se a escutar. Nada. Apenas ruído, aquele desagradável ruído de total ausência de sinal, nem um LU chamando CQ, nada. Ele ficou lá durante duas horas ouvindo o silêncio quando um norueguês bateu: “??? de LA6VM LA6VM QRL??” Papah Yankee sentiu o coração acelerar, a boca subitamente ficou seca: “É ele, o manager da operação!”. Nenhuma resposta. Silêncio absoluto. Era possível escutar o mundo corujando a freqüência. Estavam todos lá, podia-se sentir isso. Mais alguns minutos e novamente: “???” agora sem qualquer outra indicação mas o sinal tinha o mesmo timbre do LA6VM. Só podia ser o norueguês chamando pelos expedicionários, não podia ser outra coisa. Papah Yankee ajeitou-se na cadeira, e transmitiu: “DE ? PSE GA”. O sinal respondeu: “PSE QRX”. “É aqui que eles vão começar em instantes, tenho a mais absoluta certeza”, concluíu ele. Ato contínuo ele escutou um sinal quase meio quilociclo abaixo: “LA6VM DE 3Y5X KN”. Estava aberta a expedição. Após o QSO Papah Yankee dera uma chamada e estava no log, havia sido o segundo QSO da operação. Mais um pouco e estava formado um gigantesco pile-up. O mundo acabara de desabar.
O advento do cluster, da internet, não podem de forma alguma eliminar o velho hábito de corujar, de manter-se informado e, sobretudo, de raciocinar.
Afinal, se ninguém corujar, quem vai ser o primeiro a trabalhar e enviar o spot?
Arrectis auribus.
de PY2YP – Cesar

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