terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O mata-cachorro

Preocupe-se com o futuro; é onde passarás o resto da vida.
No interior, antes do surgimento da televisão, a chegada de um circo à cidade era motivo de grande alegria para todos nós. Nem bem chegava e já desfilavam pelas ruas da cidade com seus bailarinos, palhaços, malabaristas, banda de música e, é claro, os bichos: elefante, zebra e o mais esperado de todos, o leão.
A armação da lona sempre foi um espetáculo à parte. Eles sempre escolhiam um terreno plano, razoavelmente limpo, que era, é claro, usado pela molecada como campo de futebol. Ficávamos todos sem o futebol, mas ninguém se importava, afinal a presença do circo compensava.
O pessoal do circo, poucos dias antes da sua chegada, começava a anunciar na rádio local que estava contratando homens para ajudarem na montagem do “grande circo” como eles se auto denominavam, não importando fosse ele pequeno ou grande, era sempre o “grande circo” que sempre oferecia o “maior espetáculo da terra”. E nós sempre achávamos que era, não fazia mal se o trapezista usava rede, ou se a lona era furada. De qualquer modo, o que importava era o circo e nada mais.
Ajudávamos todos na montagem: o elefante puxando as cordas para levantar o mastro central, os homens esticando a lona, e nós, a molecada, colaborávamos dando palpites. Ficávamos todos muito cansados de torcer e passar o dia no sol. Valia a pena, afinal estávamos todos “ajudando” na montagem do circo!
Dos empregados contratados em cada cidade para esse trabalho, o mais barato, o menos qualificado, era contratado para todo o período em que o circo permanecia na cidade, inclusive para o desmonte. Nesse meio tempo, esse peão, como se diz no interior, ficava com a incumbência de matar os cachorros!
A cachorrada sempre foi uma enorme dor de cabeça para o domador do circo, pois, como se sabe, o leão exala um odor muito forte e os cachorros da vizinhança vão até o circo para latir contra o enjaulado bicho. A barulheira provocada pelos cachorros impedia o pobre coitado de dormir e o domador não se animava a dar o espetáculo com um leão mal humorado!
Para evitar um acidente de grandes proporções, ver a cabeça do domador sendo engolida pelo rei dos animais durante a função (nome que se dava ao espetáculo circense), a direção do circo mantinha ocupado o desqualificado peão.
Assim, ficou cunhada a expressão “mata-cachorro” para designar o mais desqualificado dos peões.
A recente greve dos caminhoneiros que assolou o país, colocou à mostra que estamos todos à mercê de mata-cachorros, acho que é assim o plural, em todos os níveis. Do jornalista que confunde radio-amador com faixa do cidadão, do Ministro que jura que sabia da greve, mas foi de férias para a Disney assim mesmo, dos líderes sindicais que confessaram sua estupefação ante a força dos liderados sem líder, da sociedade que se flagrou impotente, e até do Sr. Presidente, que suspendeu a obediência à lei de pesagem dos caminhões, por dois meses, como se nesse período o patrimônio do povo não fosse estragado pelo excesso de peso!
Ficamos todos indignados com o jornalista que confundiu os radio-amadores com operadores de rádio da faixa do cidadão que operam sem licença, clandestinos portanto. Estamos todos mandando e-mail, fax e outros recados para a direção do jornal contra o jornalista mata-cachorro.
Devemos não só alertar o jornal, devemos alertar, através das nossas entidades de classe, a invasão dos mata-cachorros (PX) nas nossas faixas. Devemos cobrar dos nossos governantes uma enérgica e constante atuação contra os invasores, para que não nos tornemos, por omissão, nós próprios mata-cachorros.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

domingo, 15 de janeiro de 2012

O exercício da cidadania

“Devemos ter coragem de mudar as coisas que podem mudar; serenidade para aceitar as que não podemos mudar e sabedoria para distinguir as duas situações”(Rudyard Kipling)
O governo (deliberadamente escrito em minúsculas) Collor foi o responsável pelo mais formidável desmonte administrativo de toda a história universal recente.
Pior, fez por terra valores morais arduamente estabelecidos. Fê-lo, ao permitir a impunidade, ao desonrar os servidores públicos, ao achincalhar a sociedade.
A entrevista Sr. Reginaldo J. C. Lemos, Assessor do Gerente do Escritório Regional ANATEL em SP mostra claramente a situação de penúria pela qual passou o defunto Dentel.
Os mais antigos, sobretudo os foneiros, ao encerrarem suas atividades despendiam-se com a frase: “… cumprimentando a digníssima escuta oficial e desejando uma boa noite a todos despeço-me com um SALVE A LABRE”. Isso virou coisa do passado, motivo de galhofa, a escuta oficial não existe mais.
A fiscalização não existe mais, o respeito a ordem estabelecida não existe mais. Foi substituído pela arrogância dos clandestinos em 7, 24 e 28 MHz, pela impunidade, pelo desaparecimento das atividades intrínsecas ao governo.
Disse ainda o Sr. Lemos - “É importante frisar que a parte de clandestinidade está muito mais afeta a Polícia Federal do que ao MINICON ou a própria ANATEL. Atuamos na fiscalização, mas a o inquérito policial e apreensão de equipamento é de incumbência da Polícia Federal.” (sic). Entendemos que o trabalho deve ser feito em conjunto com a autoridade policial, para que possa embasar o posterior e necessário processo judicial. Ocorre que a Polícia Federal não pode, por força de seu regimento, passar a fazer a escuta oficial, isto cabe a Anatel. Esta não faz por falta de recursos, aquela não apreende por que não fiscaliza e assim vai…
O que distingue um país de primeiro mundo de um subdesenvolvido é a absoluta ausência de cidadania deste último. Nestes, apontar alguém que praticou um ato falho às autoridades constitui-se em falta grave. Às mais das vezes considerado até um ato de covardia. Dedão! Dedo duro! Calabar! Bradam as vivandeiras de plantão.
O paradigma de cidadão no Japão é um kamikasi que não hesita em derramar o próprio sangue em benefício da pátria, ao passo que no Brasil o exemplo de cidadão é o Gérson (cérrrto?).
Antes de culparmos os governos, os políticos, o judiciário culpemo-nos todos. Por acaso você, leitor, já escreveu uma cartinha para o seu vereador, deputado ou senador, reclamando das suas atuações? Lembrando-os de que na próxima eleição não contarão mais com seu voto? Por acaso você já tentou fazer algo para melhorar, reclamando, cobrando, explicando a eles que é você quem paga os seus salários?
Ora, se as autoridades não são cobradas, elas tem todo o direito de imaginar que são competentes, que os problemas não existem. Não há qualquer motivo para aprimorar suas ações. Ao que consta está tudo bem, raciocinam elas.
Quer sentir-se cidadão? Exerça a cidadania, cobre das autoridades a tarefa que lhes compete, escreva, telefone, faça algo. Citando um político, que por graça divina esqueci o nome, disse-me certa feita: “em política vale tudo, só não pode perder a eleição, se for preciso eu até trabalho”. Estas palavras, transbordante do mais deslavado cinismo, nos ensina que vale a pena reclamar
Se não resolver pelo menos você sentir-se-á melhor. Tornemo-nos todos cidadãos. Vale a pena.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ouvindo música?

“Doido é aquele que perdeu tudo, menos a razão.”
O veterano DXer estava ouvindo uma sinfonia e não se dignou sequer a abrir os olhos quando as suas costumeiras visitas chegaram, tudo o que fez foi acenar ao ruidoso grupo indicando para que fizesse silêncio e se acomodasse.
Todos obedeceram e ficaram a ouvir a música de Beethoven. Permaneceram no mais profundo silêncio até o último acorde quando então Papah Yankee abriu os olhos e cumprimentou-os. Jota QRP então perguntou: “Que obra é essa?”
“A sinfonia número 5 de Beethoven”, respondeu ele, “achei que estava precisando melhorar minha capacidade de recepção em 80 metros e resolvi treinar um pouco. Na verdade”, continuou o veterano DXer, “não estava ouvindo a música em seu todo, estava mesmo treinando QRM e pile-up.”
Os PYs e PUs ali presentes entreolharam-se e passaram a duvidar da sanidade mental do velho mestre. Um PY, recém saído da pobre condição de PU, pensou: “Espero não ficar decrépito assim!”. Mas nada disse, apenas observou. Um outro, mais velhaco, perguntou, cuidando para que a entonação de voz não o traísse: “E como é treinar recepção em QRM ouvindo música?”
Papah Yankee fitou-o nos olhos, à procura de algum sinal de ironia, dirigiu-se ao aparelho de som, comandou o início da sinfonia, pegou na estante a partitura da obra e passou a explicar:
“Todos aqui, conseguem distinguir entre o timbre de um oboé e de uma clarineta? Ou a diferença entre a tessitura da viola e do violino? Quando eu sinalizar com a mão esquerda vocês ouvirão um oboé, quando eu sinalizar com a direita, uma clarineta.” Alguns, os melhores telegrafistas, rapidamente perceberam a sutil diferença, outros pediram para repetir e ficaram todos atentos aos sinais de Papah Yankee que ia levantando ora um braço ora outro e, às vezes, os dois. Fez o mesmo com a viola e o violino, mesmo os melhores ouvidos tiveram dificuldade de encontrar a sutil diferença, mas depois de identificada, e após algum treino, constataram que os diferentes timbres e tessituras é que dão colorido à música sinfônica, como num pile-up onde alguns russos, operam com equipamentos que produzem sons com timbre próximo ao de um fagote ou de um tuba que parece ter deficiência no filtro de 60 Hz da alimentação.
“Para treinar recepção em pile-up, ou quando a banda está muito congestionada, continuou ele, o segredo é fixar a atenção em apenas um sinal, memorizar o seu timbre e ‘apagar’ os outros sinais. A forma mais agradável de treinar essa situação é, sem dúvida, substituir o ruído da faixa por música. Algumas vezes, ouço uma sinfonia inteira, copiando apenas os violinos, chego mesmo a esquecer que há toda uma orquestra congestionando a ‘banda’. Acho muito divertido”, finalizou o velho.
“E para treinar QRQ, existe algum tipo de música em especial?” Perguntou um PY, visivelmente entusiasmado. “Sim”, respondeu Papah Yankee, “vamos ouvir o último movimento da sonata em lá maior de Mozart, K-331, mais conhecido como Marcha Turca. Nesse movimento, allegreto, são utilizadas semicolcheias e fusas”, continuou ele, “a velocidade dessas notas ajuda a desenvolver a capacidade de acompanhar a melodia em alta velocidade, algo como se ‘acordasse o cérebro’, desembotando-o. Mozart”, prosseguiu, “se tivesse nascido neste século, seria um grande telegrafista sem dúvida alguma, a sua música desenvolve o lado esquerdo do cérebro, por onde entra a telegrafia”, concluiu Papah Yankee.
Um PU que relutava em aprender CW abanou a cabeça pensando: “O velho ficou louco, definitivamente.”
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Um pouco de fonia

“O diabo sabe tudo porque é velho e não por ser o diabo.”
Jota QRP estava ouvindo atentamente um PY contar um fato classificado como estranho, para dizer o menos. Ele estava corujando uma operação quando um conhecido veterano parou subitamente de chamar. Até aí nada de mais, provavelmente ele havia desistido, concluiu o PY.
O curioso, continuou, é que depois de uns 20 minutos o veterano voltou a chamar, desta vez completamente fora do pile-up: 8Q7AA 8Q7AA DE PY2QRO PY2QRO. Isso não estava normal, será que ele havia ficado louco? Indagara o PY. Eu parei de chamar e comentei no VHF: “Esses velhos só estão no Honor Roll porque tem hora de pile-up! São uns pernas-de-pau. Onde já se viu chamar o DX dessa forma! Completamente fora da frequência, será que ele não sabe o que é split?”
O diabo, disse o PY desconsoladamente, é que o 8Q7AA parou o pile-up e foi atendê-lo na freqüência dele. Parecia estar combinado! Eu, narrava o PY, chamei imediatamente mas não fui atendido, ele fez apenas um QSO naquela condição e voltou para sua freqüência e passou a atender o pile-up em split. E eu acabei não fazendo a zona 26 finalizou o desconsolado PY.
Papah Yankee olhou para Jota QRP e este imediatamente ficou vermelho, sabia que a conversa iria para cima dele. Já estou me acostumando pensou Jota consigo mesmo.
Papah Yankee disse então: essa eu aprendi com o Jota. Uma ocasião, começou ele, estávamos tentando trabalhar uma estação de Glorioso e o pile-up estava difícil, a propagação para aquela região abre durante pouco tempo e temos que disputar com os europeus que se valem da famosa propagação Norte-Sul que oferece sinais fortíssimos. Além do que, continuou ele, Glorioso faz parte do terrível grupo francês no Índico, seguramente o agrupamento de ilhas mais difícil do DXCC: Tromelin, Amsterdam, Crozet, Kerguelen, Juan de Nova e Glorioso, além de outras.
Eu havia acabado de trabalhar a estação FR0DZ/G em 21.295 onde o pile-up já diminuíra, e estava corujando para tentar obter alguma informação, de como trabalhá-lo em CW - continuou Papah Yankee, quando ouvi: Piuái-tu-Quiu-Are-Pi, Piuái-tu-Quiu-Are-Pi” em chamadas curtas e precisas, como operam os cobrões de QRP. Mas que diabos, exclamei, o que o Jota anda fazendo aqui em fonia? Eu nem imaginava que ele soubesse falar!
O operador, um conhecido DXer, veterano de longos pile-ups voltou: “Hello Jay you are 55 over”. Jota QRP devolveu a reportagem e falou: “Hello Werner, por favor peça para o operador de CW em 20 metros atender as estações QRP a cada quarto de hora 10 kHz abaixo da freqüência de transmissão, ou seja, em 14015 transceiver”. O operador voltou: “Não se preocupe eu vou falar com ele, mas talvez seja eu mesmo quem vá operar CW no próximo turno que começará em 40 minutos. Vou ouvir 10 abaixo a cada quarto de hora. 73 Jay” e continuou a operação.
Filho de um dipolo! Exclamei. É assim que o miserável consegue suas figurinhas! Eu que ainda não havia conseguido um QSO em CW, fiquei atento ao combinado, talvez estivesse ali a oportunidade de escrever no log de CW o famigerado e terrível Glorioso.
Não deu outra, no terceiro quarto de hora, a estação bateu: PY2QRP DE FR0DZ/G UR 569 569 BK. Eu chamei em seguida com a potência reduzida para cerca de 100 watts, meu conceito de QRP, e recebi a reportagem: 589. Pelo menos eu havia conseguido entrar no log concluiu Papah Yankee.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Aprendendo com os erros

O sucesso é traiçoeiro; induz os homens a pensarem que são infalíveis.
Papah Yankee estava lá na varanda do seu sítio em Maracutaia da Serra contemplando as silentes montanhas ao longe. Talvez estivesse se lembrando de algum QSO, daqueles que ainda mandavam a reportagem correta e não o detestável 5NN.
Estava tão absorto com seus pensamentos que quase não ouviu um PY comentar seu aborrecimento por ter perdido uma expedição: "Quando o sinal estava realmente começando a ficar forte a estação transmitiu: TNX 2 ALL NW WE WILL CL 73 DE 5U7SI TU. Não pude fazer nada concluiu ele visivelmente desapontado. Fiquei ouvindo o pile-up ir diminuindo até desaparecer."
Papah Yankee então saiu do transe e falou: o venerável Old Timer W9KNI disse: "Most of the time we all are a looser". O que significa: nas mais das vezes somos perdedores.
Quando, em maio de 1979, finalmente saiu a tão esperada expedição para Abu Ail Jabal-At Air, começou Papah Yankee, todos ficamos felizes, finalmente o PY2CK, Jaime Freixo, iria voltar a ser número 1 no DXCC e iria encostar novamente no W6AM na disputa pelo topo.
Para os demais, Abu Ail era apenas mais um país, dos graúdos, é verdade, mas ainda assim não tinha o significado que tinha para o veterano PY2CK.
Desta forma, continuou Papah Yankee, agora com a voz amarga da derrota, não dei ao país a importância devida, imaginei que poderia esperar uns 2 ou 3 dias para o pile-up diminuir e então trabalhá-lo sem grande esforço.
Quando começou a operação, a estação J20BS/A estava em 21025 e pile-up estava monstruoso, parecia uivar, os europeus com sua localização privilegiada estavam fazendo a festa.
Ao final do primeiro dia chegara a notícia, o velho Jaime conseguiu trabalhá-los em 20 metros fonia. Um europeu, que tinha grande admiração pelo PY2CK avisou o operador da sua presença. Este então parou o pile-up e disse: Please PY2 Charlie Kilo call me on my frequency, e fizeram o QSO.
Nessa expedição, continuou Papah Yankee, eu estava operando com uma cúbica de quadro monobanda para 15 metros e 1 kilowatt e achava que não haveria como perder o país, assim, não me incomodei muito e continuei trabalhando outras estações ao invés de me dedicar em tempo integral à expedição.
No final do terceiro dia, veio a notícia: há uma grande possibilidade da expedição encurtar a permanência, correm rumores de que um barco patrulha do Yemen havia mandado um sinal de alerta para os operadores.
O desespero tomou conta do pile-up e a fúria redobrou. Até mesmo os que já haviam trabalhado começaram a chamar novamente, para um QSO de segurança ou, para uma outra banda. Eu então, retomou Papah Yankee, resolvi concentrar os esforços em 15 metros CW e passei a chamar alucinadamente, chamei durante 15 horas seguidas, com 1 kilowatt e uma cúbica, e nada! Não consegui ser ouvido, os europeus, americanos e os japoneses simplesmente bloquearam a banda, não houve jeito. Fiquei até o operador bater: SRI WE MUST QRT NW 73 DE J20BS/A CL. Estava perdida uma operação que nunca saberíamos quando poderia acontecer novamente.
A ilha Abu Ail está localizada no golfo pérsico, numa área politicamente conturbada e tem vital importância para o controle da navegação no golfo, o que dá a ela uma posição altamente estratégica, dificultando muito a obtenção da licença para operação. Só fui conseguir um QSO muitos anos depois, por sorte antes dela se tornar deleted, finalizou Papah Yankee com a voz grave pela perda.
Aprendemos mais com as derrotas do que com as vitórias. Desse dia em diante sempre tentei trabalhar as expedições logo nos primeiros dias, concluiu ele. Nunca se sabe...
Arrectis auribus.
de PY2YP Cesar

sábado, 7 de janeiro de 2012

Acredite sempre

Papah Yankee estava lá na varanda do seu sítio em Maracutaia da Serra recordando suas caçadas, quando um CQ transmitido pela buzina de um carro chamou sua atenção, eram os piuáis chegando para mais uma visita.
A algazarra tomou conta, um dos noviços estava tomado de grande excitação, ele havia sido contestado na noite anterior por uma expedição científica em South Sandwich e estava contando como o QSO acontecera, quando um PY disse com aquele ar de sabedoria própria dos iniciados: Nem perca tempo mandando o QSL, não há qualquer notícia sobre atividade naquela ilha. Você trabalhou um pirata, zombou ele.
Papah Yankee então disse: Um DXer deve ser antes de tudo um crédulo, deve acreditar em cada QSO, trabalhe antes e se aborreça depois. Algumas vezes funciona.
Lembro-me, começou ele, que após a expedição a Clipperton o Iraq passou para o primeiro lugar na lista dos mais procurados.
O governo do Iraq, a exemplo da China e de vários outros países, havia proibido qualquer atividade radioamadorística há muitos anos e apenas os veteranos tinham um QSL daquele país.
Um sueco que trabalhava para o Ministério das Relações Exteriores havia sido mandado para o Iraq e conseguido, não se sabe como, fazer uma operação a título de demonstração. Ele havia feito apenas 16 QSOs em fonia com um guarda armado apontando-lhe uma metralhadora.
Essa pequena demonstração acabou surtindo efeito e o governo do Iraq permitiu a instalação de uma estação na Universidade de Bagdah. Naquele tempo, os boletins demoravam muito a chegar e a atividade dessa estação foi pouco noticiada.
Num sábado de manhã eu estava corujando 15 metros, continuou Papah Yankee, e como sempre eu estava prestando atenção nos sinais fracos, sinais fracos sempre trazem emoções fortes, ensinava ele.
Assim, continuou, eu iniciava a coruja em 21.000,0 e ia subindo lentamente até 21.060,0 anotando os sinais numa folha e verificando a propagação, isso sempre trazia bons resultados.
Nesse dia, escutei a famosa estação saudita HZ1AB, como sempre com bom sinal, o que indicava uma abertura para o Oriente Médio. Mais acima um russo chamando geral, com o característico piado, fui subindo, quando escutei um conhecido DXer alemão em QSO.
Resolvi parar e ver quem ele estava trabalhando, quando ele passou o câmbio ele bateu apenas: 73 ES TKS DE DJ4PI. Ele havia omitido o indicativo da estação de DX propositadamente! A resposta do DX veio, com um sinal fraco e misturado no QRM: QSL DR EMIL TNX FER QSO ES 73 SK DE Y?1BGD. Justamente na passagem do indicativo veio o QRN e cobriu a segunda letra do prefixo.
Papah Yankee imaginou que pudesse ser YS1BGD pois tivera sensação de ter ouvido uns pontinhos. Esperou um pouco antes de virar a antena para a América Central e ficou prestando atenção na freqüência quando o DX começou a transmitir: QRZ DX DE YI1BGD. Não é possível, raciocinou ele, o Iraq está QRT há mais de 20 anos, só pode ser um miserável pirata fazendo suas gracinhas, mas… Ele então resolveu transmitir QRL Y?1BGD QRL? A estação respondeu YI1BGD QRV. Papah Yankee passou a reportagem e ouviu: UR RST 539 HR OP IS MAJID QTH BAGDAH RIG IS ATLAS 210X UR MY FIRST PY PSE QSL VIA BOX 56O BAGDAH TKS FB QSO 73 DE YI1BGD SK.
Papah Yankee mandou o QSL para o endereço solicitado sem green stamp ou IRC, não mandou sequer o SAE, a estação não existia mesmo!
Algumas semanas depois o carteiro trouxe uma carta com um selo do Iraq e dentro o QSL. Papah Yankee não acreditou no que estava vendo: Iraq confirmado!
Arrectis auribus.
de PY2YP – Cesar

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

PSE QRX

Papah Yankee estava lá na varanda do seu sítio em Maracutaia da Serra pensando como seria a propagação durante o ciclo 23, quando avistou lá embaixo um carro subindo a colina. – Vamos ter visita, observou ele.
Num instante estavam todos lá falando sobre antenas, pile-up, dicas de operação, quando um PU comentou estar com sérias dificuldades para trabalhar uma estação do Pacífico:
– O sinal dele é forte mas o pile-up não diminui e isso está me impedindo de trabalhá-lo, disse ele.
Um PY recém promovido a classe A, disse com um certo ar de superioridade: “Você precisa colocar 1 kilowatt e uma monobanda, assim você vai conseguir”. O noviço replicou: – Como? Não tenho dinheiro para isso, tudo o que tenho são 100 watts e uma tribandinha, continuou ele.
Papah Yankee então disse, do alto dos seus anos de pile-up: – Mais do que suficiente. Todos ao redor olharam para ele surpreso, e ele então começou a narrar:
Clipperton, iniciou ele, estava em primeiro lugar na lista dos países mais procurados, quando, após mais de 20 anos de espera, finalmente, em 1978, foi anunciada uma grande operação liderada por um grupo francês.
Os big-guns exultavam, vamos chegar ao Top Honor Roll, alegravam-se. A excitação era geral.
Enfim o grande dia chegara, o pile-up era monstruoso, algo nunca visto. Em fonia, a estação FO0XC estava estacionada em 14180 ouvindo de 14200 a 14250 e o pile-up era ensurdecedor. Em CW a confusão não era menor, parecia que o mundo estava alucinado.
Clipperton fica no Oceano Pacífico e razoavelmente próximo da Califórnia, o que significava que os W6 poderiam colocar sinais tão fortes a ponto de queimarem as antenas da DX-pedition ou mesmo danificar os receptores!
O quadro, para os brasileiros sem grandes antenas, era trágico, alguns chegaram a pensar em rasgar os pulsos e desistir do DXCC, os dias estavam passando e não havia como trabalhá-los, a agonia havia substituído a excitação inicial.
J. QRP, estava tentando trabalhar e obviamente, a exemplo de muitos, não estava conseguindo. Ele chamava alucinadamente, atirando seus miseráveis 5 watts para todo lado, parecia estar ensandecido, sua tribandinha não melhorava muito a situação. Como furar o bloqueio americano com uma estação dessas? Uma noite, ao final de umas boas horas, ele resolveu parar um pouco, lavar o rosto para se recuperar quando, subitamente teve uma idéia: Vou corujar! Em algum momento eles vão ter de trocar de operador e eu vou chamar na frequência da última estação trabalhada, raciocinou ele.
Voltou ao rádio, e começou a ouvir, ele usava um velho HQ-129 na recepção e um TX caseiro com 5 watts. O batedor era um daqueles pesados utilizados na estradas de ferro, presente de um tio que se aposentara como telegrafista da São Paulo Rail-way. J. QRP ficou durante um bom tempo corujando cada QSO até que finalmente o operador bateu: PSE QRX 4 PEE HI.
O silêncio tomou conta da faixa, parecia que todos haviam resolvido fazer a mesma coisa. J. QRP colocou o transmissor em 21053 exatamente onde um japonês tinha acabado de transmitir e pôs-se a aguardar. Após alguns minutos o alto falante do HQ-129 deu sinal de vida, alguém havia batido um sinal de interrogação e imediatamente J. QRP transmitiu: FO0XA DE PY2QRP PY2QRP. Não houve resposta, ele então bateu de novo: FO0XA DE PY2QRP PY2QRP e ouviu: PY2QRP DE FO0XA 539 539 BK. Ele prendeu o folêgo e bateu: R TNX FER QSO UR 599 73 DE PY2QRP BK. Finalmente após incontáveis horas J. QRP estava no log.
Arrectis auribus
de PY2YP – Cesar

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ouvindo o silêncio

A fé é a crença ilógica em fatos improváveis, dizia o velho sábio ao discorrer sobre os insondáveis mistérios da fé.
Papah Yankee estava lá na varanda do seu sítio em Maracutaia da Serra a explicar para os noviços sobre as dificuldades em trabalhar os poucos países que lhe faltava, quando um PU perguntou preocupado: “E se o cluster* ficar fora do ar durante a expedição? Como fazer para saber onde eles estão?”
“Lembro-me de uma expedição a Bouvet”, começou Papah Yankee, eu estava com uma estação modesta, o linear em reparos e a direcional com um elemento quebrado pelo vento”. “Bouvet” – explicava – “é um desses países que aparecem no ar a cada 10 ou 15 anos, do quilate de Heard”.
A expedição havia sido anunciada inesperadamente e não haveria tempo de preparar a estação, no máximo, esticar um dipolinho para 20 metros e tentar a sorte. Ele havia recebido um telefonema de um colega que havia escutado um QSO do grupo operando móvel marítimo, já próximo a ilha. “Fique atento, a expedição deve começar a qualquer momento”, concluíra o amigo.
O país seria novo em CW e não poderia ser perdido. Seria preciso trabalhá-lo antes dos outros, antes do pile-up ficar grosso, porque não haveria outra chance com uma estação pequena.
“Com o fluxo solar alto, os americanos iriam chegar forte com suas enormes monobandas empurradas pelos kilowatts e nos atropelariam ser qualquer dificuldade”, explicava Papah Yankee para os noviços. Imaginou-se, então, no lugar dos expedicionários: “Como iriam eles iniciar a operação? Em que banda? Qual a melhor hora? Qual a frequência?” Depois de muito pensar, ele decidiu: “14025 a partir das 17:00 local, o que significaria uma abertura deles para a Europa. Sem dúvida os noruegueses iriam privilegiá-la, e a essa hora, seriam boas as condições para o Brasil, além do que, a propagação não estaria completamente aberta para os USA, o que aumentariam as chances.
No dia seguinte, dia previsto para o início da operação, ele sentara-se defronte ao velho equipamento, sentira o cheiro das válvulas aquecendo-se, ajeitara os fones e pusera-se a escutar. Nada. Apenas ruído, aquele desagradável ruído de total ausência de sinal, nem um LU chamando CQ, nada. Ele ficou lá durante duas horas ouvindo o silêncio quando um norueguês bateu: “??? de LA6VM LA6VM QRL??” Papah Yankee sentiu o coração acelerar, a boca subitamente ficou seca: “É ele, o manager da operação!”. Nenhuma resposta. Silêncio absoluto. Era possível escutar o mundo corujando a freqüência. Estavam todos lá, podia-se sentir isso. Mais alguns minutos e novamente: “???” agora sem qualquer outra indicação mas o sinal tinha o mesmo timbre do LA6VM. Só podia ser o norueguês chamando pelos expedicionários, não podia ser outra coisa. Papah Yankee ajeitou-se na cadeira, e transmitiu: “DE ? PSE GA”. O sinal respondeu: “PSE QRX”. “É aqui que eles vão começar em instantes, tenho a mais absoluta certeza”, concluíu ele. Ato contínuo ele escutou um sinal quase meio quilociclo abaixo: “LA6VM DE 3Y5X KN”. Estava aberta a expedição. Após o QSO Papah Yankee dera uma chamada e estava no log, havia sido o segundo QSO da operação. Mais um pouco e estava formado um gigantesco pile-up. O mundo acabara de desabar.
O advento do cluster, da internet, não podem de forma alguma eliminar o velho hábito de corujar, de manter-se informado e, sobretudo, de raciocinar.
Afinal, se ninguém corujar, quem vai ser o primeiro a trabalhar e enviar o spot?
Arrectis auribus.
de PY2YP – Cesar

domingo, 1 de janeiro de 2012

Alta tecnologia?

Hoje é o amanhã que ontem você tanto esperava dizia o velho sábio ao ser perguntado sobre como seria o futuro.
Estávamos na Amazônia e chovia como o diabo, a trovoada corria solta, havia estático de duas polegadas, era uma dessas tempestades tropicais que só ocorrem naquela região. O pobre telegrafista tentava em vão receber o sinalzinho fraco no meio do QRN.
Era o ano de 1974 e eu estava visitando o Fanaya, PY9AY, quando o pálido telegrafista entrou na sala e pediu ajuda para o velho mestre: – “Chefe estou tentando receber um bife (nome dado às mensagens complicadas) urgente e não consigo. O QRN está me impedindo de copiar”. O Fanaya então me disse: “Vamos até a sala de tráfego ver o que eu posso fazer”.
O mestre sentou-se à frente da Remington carcomida, colocou o papel de radiograma na máquina de escrever, calmamente ajeitou os fones, empunhou o Vibroplex e mandou: NW OP EH FANAYA PSE RPT MSG AA NR. Ou seja, repita a mensagem começando pelo número. Eu coloquei um fone em paralelo para poder corujar e tentei acompanhar a transmissão do radiograma. Quando eu não identificava um sinal no meio do ruído, eu olhava de soslaio para a máquina de escrever e lá estava o sinal. A mensagem era sobre um pedido de peças de máquinas pesadas e o código das peças era mais ou menos assim: MANGUEIRA DO HIDRAULICO COD BIPT 6B5H4V e por aí afora. Ao final do contato o Fanaya bateu: R QSL MSG NR 814/74 PLS 253 QTR 1452 DE FANAYA 73 ES SDS.
A rede de estações espalhada pela Amazônia, que estava acompanhando o tráfego, começou a mandar FB TU FB TU FB TU em cumprimento à sua eficiência. O tráfego era feito em QSK e o veterano operador não pedira um único BK. Olhei para o telegrafista e ele com o olhar respeitoso disse: “Parabéns chefe, o que eu devo fazer para melhorar a minha recepção?” O mestre disse com humildade: “O melhor filtro que existe é o cérebro e ele precisa de treino. Apenas não se irrite com o QRM e tente escutar, com o tempo você aprende a rejeitar o ruído e ouvir apenas o sinal.”
No começo do ano eu estava corujando o concurso CQWPX e um novato estava recebendo telegrafia pelo computador. O rapaz era esperto e estava mandando ver com o computador, rádio moderno com bons filtros, DSP, noisy blanker, notch e tudo o mais. Até que ia bem, estava trafegando com boa velocidade e o computador recebia direitinho. Subi de freqüência e lá estava o veterano com seu radinho a válvula, sem grandes recursos, corujei o veterano um pouquinho e mudei de faixa. Mais tarde quando a propagação começou a dar sinais que ia fechar o veterano estava lá firme, copiando sinais baixos com a mesma velocidade, o novato com todos os recursos pedia: PSE CFM UR CALL, outro contato e: PSE RPT NR até que desistiu, o computador começava a se perder no meio do QRM, e o veterano continuava lá, firme, QSL 73 TU mais um contato e QSL 73 TU e permaneceu por mais uma hora até que não havia mais sinal, 15 metros estava fechado.
Nestes tempos de tecnologia desenfreada, onde a cada dia nos vemos frente a frente com novidades que sequer podíamos imaginar, e-mail, home pages, QIC e outras tantas mais, precisamos nos lembrar dos nossos próprios recursos que devem ser continuamente aprimorados.
Evidentemente não somos contra a tecnologia, muito ao contrário, estamos sempre correndo atrás de lançamentos, softwares, hardwares e tudo o mais que possa facilitar nossa vida.
As duas histórias aqui contadas nos mostram que a tecnologia, sem um bom operador, nada vale e que o ouvido humano ainda é a melhor das ferramentas para o radiotelegrafista.
Arrectis auribus
de PY2YP – Cesar