domingo, 29 de abril de 2018

Operação Remota III

Serenadas as excitações finalmente o grande momento havia chegado. O operador massageou os pulsos, respirou fundo e mandou o primeiro CQ em 10.105: CQ DE P5RS CQ P5RS CQ DE P5RS 5UP. Nada, nem um pio, nem uma alma penada corujando 30 metros. A aposta era mesmo em 20 metros. O operador havia se decidido por 30 metros para enfrentar um pile-up inicial menor. Os egressos não sabem telegrafia o suficiente para frequentarem uma banda onde as operações são predominantes em telegrafia. Antes da praga FT8 se espalhar a banda era quase exclusiva de CW, uma operação em RTTY que aparecia vez por outra mas era só. O operador tomou novo fôlego e chamou geral uma vez mais. Nada. Zero. Será que desligaram a banda? Deu uma rápida olhada em 10.136 e a turba de egressos e ascendentes estava lá produzindo aquele hediondo e detestável ruído dos incultos. Voltou para 10.105 e mandou novamente CQ DE P5RS 5UP, girou o dial de recepção um pouco para cima, um pouco para baixo e escutou um UA9, voltou para ele e ouviu: P5RS DE UA9ZHS 5NN PSE CFM CALL. IS IT REAL? O operador respondeu: TNX FIRST QSO FRM REMOTE STATION PSE SPRED OUT THIS CALL. O russo respondeu: TNX NEW ONE ON CW. I WILL SURE DO. GL 73 TU. Um HL enfiou o sinal em tail end e logo mais um, mais outro e enfim começara o pile-up. As bandas altas entraram em operação após o amanhecer e o pile-up rugiu grosso e permaneceu tautofônico por todo o dia.
A estação de controle e operação estava dotada de algoritmos interessantes utilizados antes do QSO ser registrado no banco de dados. O operador ao digitar o indicativo da estação fazia com que o indicativo fosse para um banco de dados temporário. O indicativo tinha seu grid localizado num banco de dados para em seguida ter seu sinal real em dBW comparado com uma tabela de dBW para cada grid locator. Essa tabela havia sido gerada horas antes do início da operação através de um mecanismo de cálculo que fora concebido por um brasileiro e um finlandês utilizando os circuitos point-to-point do IONCAP para UNIX cedido pela marinha americana. Os sinais que mostrassem divergências entre 20 e 40% eram rotulados com SQSO ou suspicious QSO, os que mostrassem divergências acima dos 40% eram imediatamente rotulados de PQSO ou proxy QSO. Ao final do turno de operação os PQSO eram retirados do log temporário e enviados para ARRL para ulteriores providências e não eram registrados no log definitivo. Esse procedimento foi concebido para evitar casos como o QSO com 3Z9DX/P5 em 15 metros feito por um ascendente. À ocasião um veterano e respeitado DXer interpelou o contumaz argumentando que em 50 anos de rádio nunca soubera que houvesse propagação para aquela região naquele horário e ouviu a seguinte pérola do ascendente: “foi uma abertura esporádica”. Abertura esporádica em 15? O QSO não teria sido feito de Yuzhno? retorquiu o velho DXer com um sorriso sarcástico. O ascendente nada disse mas pensou: como ele ficou sabendo?
Ao cabo de alguns dias começaram as operações em 80 e 160 e a mesa de operações recebeu um novo aplicativo. Da mesma forma, ao trabalhar uma estação em 40, 80 ou 160 metros o operador digitava o indicativo que era direcionado para um banco de dados provisório para então ser comparado com uma tabela auxiliar que continha os horários de sunrise e sunset para cada grid locator. Os QSOs que tivessem sido feitos noventa minutos antes do sunset ou depois do Sunrise eram imediatamente rotulados como PQSO e recebiam o mesmo tratamento descrito; igualmente, os sinais que tivessem intensidade fora do esperado eram tratados como os QSOs de banda alta. Os grongueiros estavam decididamente em maus lençóis. Um búlgaro trabalhou P5RS em 160 metros logo no segundo dia de operação na banda e em seguida surgiu o indicativo de um PY, não deu outra, o aplicativo estampou na tela em letras vermelhas: DAYLIGHT PROXY QSO.
Mas nem tudo estava perdido na visão dos flibusteiros, um brasileiro com contatos pessoais no terceiro mundo conhecia um hacker no Azerbajan, um veteraníssimo DXer que vivia numa cadeira de rodas e era hacker nas horas vagas, competentíssimo, aduza-se. O hacker invadiu o drive SSD e, com todo o cuidado horário, introduziu todos os QSOs necessários em todas as bandas num setor do SSD dentro de um minúsculo arquivo escrito em código binário. Os dados seriam convertidos para ASCII e introduzidos no banco de dados quando fosse dado o comando: close dB. Mas a confusão estava potencialmente armada, seu comparsa de Yuzhno já havia trabalhado usando o indicativo do PY2 em 160 e 80, ambos QSOs durante o sunset do P5 e no meio do pile-up japonês. O sistema detectou a gronga e colocou o indicativo na lista negra inutilizando o trabalho do hacker. Mal sabia o hacker que todo o sistema estava protegido e seu pequeno e malcheiroso bacalhau já havia sido posto em quarentena para análise posterior.
Enquanto isso lá pelas bandas do sul um conhecido grongueiro sugava a bomba de chimarrão enquanto ruminava seus pensamentos traçando planos para conseguir confirmar P5 em 160...
73 DX de PY2YP - Cesar