domingo, 1 de janeiro de 2012

Alta tecnologia?

Hoje é o amanhã que ontem você tanto esperava dizia o velho sábio ao ser perguntado sobre como seria o futuro.
Estávamos na Amazônia e chovia como o diabo, a trovoada corria solta, havia estático de duas polegadas, era uma dessas tempestades tropicais que só ocorrem naquela região. O pobre telegrafista tentava em vão receber o sinalzinho fraco no meio do QRN.
Era o ano de 1974 e eu estava visitando o Fanaya, PY9AY, quando o pálido telegrafista entrou na sala e pediu ajuda para o velho mestre: – “Chefe estou tentando receber um bife (nome dado às mensagens complicadas) urgente e não consigo. O QRN está me impedindo de copiar”. O Fanaya então me disse: “Vamos até a sala de tráfego ver o que eu posso fazer”.
O mestre sentou-se à frente da Remington carcomida, colocou o papel de radiograma na máquina de escrever, calmamente ajeitou os fones, empunhou o Vibroplex e mandou: NW OP EH FANAYA PSE RPT MSG AA NR. Ou seja, repita a mensagem começando pelo número. Eu coloquei um fone em paralelo para poder corujar e tentei acompanhar a transmissão do radiograma. Quando eu não identificava um sinal no meio do ruído, eu olhava de soslaio para a máquina de escrever e lá estava o sinal. A mensagem era sobre um pedido de peças de máquinas pesadas e o código das peças era mais ou menos assim: MANGUEIRA DO HIDRAULICO COD BIPT 6B5H4V e por aí afora. Ao final do contato o Fanaya bateu: R QSL MSG NR 814/74 PLS 253 QTR 1452 DE FANAYA 73 ES SDS.
A rede de estações espalhada pela Amazônia, que estava acompanhando o tráfego, começou a mandar FB TU FB TU FB TU em cumprimento à sua eficiência. O tráfego era feito em QSK e o veterano operador não pedira um único BK. Olhei para o telegrafista e ele com o olhar respeitoso disse: “Parabéns chefe, o que eu devo fazer para melhorar a minha recepção?” O mestre disse com humildade: “O melhor filtro que existe é o cérebro e ele precisa de treino. Apenas não se irrite com o QRM e tente escutar, com o tempo você aprende a rejeitar o ruído e ouvir apenas o sinal.”
No começo do ano eu estava corujando o concurso CQWPX e um novato estava recebendo telegrafia pelo computador. O rapaz era esperto e estava mandando ver com o computador, rádio moderno com bons filtros, DSP, noisy blanker, notch e tudo o mais. Até que ia bem, estava trafegando com boa velocidade e o computador recebia direitinho. Subi de freqüência e lá estava o veterano com seu radinho a válvula, sem grandes recursos, corujei o veterano um pouquinho e mudei de faixa. Mais tarde quando a propagação começou a dar sinais que ia fechar o veterano estava lá firme, copiando sinais baixos com a mesma velocidade, o novato com todos os recursos pedia: PSE CFM UR CALL, outro contato e: PSE RPT NR até que desistiu, o computador começava a se perder no meio do QRM, e o veterano continuava lá, firme, QSL 73 TU mais um contato e QSL 73 TU e permaneceu por mais uma hora até que não havia mais sinal, 15 metros estava fechado.
Nestes tempos de tecnologia desenfreada, onde a cada dia nos vemos frente a frente com novidades que sequer podíamos imaginar, e-mail, home pages, QIC e outras tantas mais, precisamos nos lembrar dos nossos próprios recursos que devem ser continuamente aprimorados.
Evidentemente não somos contra a tecnologia, muito ao contrário, estamos sempre correndo atrás de lançamentos, softwares, hardwares e tudo o mais que possa facilitar nossa vida.
As duas histórias aqui contadas nos mostram que a tecnologia, sem um bom operador, nada vale e que o ouvido humano ainda é a melhor das ferramentas para o radiotelegrafista.
Arrectis auribus
de PY2YP – Cesar

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