quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Garimpo

Há 40 anos quando comecei com o DX ninguém se preocupava em trabalhar os países em diferentes bandas, nem mesmo em diferentes modos, um QSO era mais do que suficiente para contar o país no DXCC. É claro que quando podíamos trabalhávamos o mesmo país pelo menos duas vezes para ter certeza de que não receberíamos o QSL de volta com o temido NIL, not in log, ou como alguns managers escreviam em latim: nihil; este segundo QSO era conhecido como insurance QSO. Nas mais das vezes trabalhávamos primeiro em CW onde os pile-ups eram mais organizados, e acho que ainda são, e depois tentávamos em fonia. E isso era tudo.
O dia primeiro de janeiro de 1975 foi um marco para o DXCC, começava nesse dia o DXCC em CW, isto é, os QSOs em CW só valeriam para o diploma se feitos após o dia primeiro de janeiro desse ano, os QSOs feitos em CW antes dessa data contavam apenas para o diploma DXCC misto. Isto nos obrigou a trabalhar e confirmar novamente os países que tínhamos naquela modalidade. Alguns DXers trabalhavam as bandas para o diploma 5 bandas DXCC, criado em 1968, onde era necessário confirmar 100 países em cada uma das bandas: 10, 15, 20, 40 e 80 metros sendo possível utilizar todos os contatos feitos após 15 de novembro de 1945. Uma vez conseguido o diploma eles paravam por aí eis que o diploma 5BDXCC não era endossável, isto é, de nada adiantaria ter 250 países em cada banda. As bandas WARC: 12, 17 e 30 metros ainda não estavam liberadas para os radioamadores.
Os logs em papel não ajudavam muito nas estatísticas e não sabíamos exatamente o que tínhamos, exceto é claro, o número de países nas modalidades CW e fonia. RTTY nem pensar porque não haviam expedições para a modalidade por razões um tanto quanto óbvias, era praticamente impossível levar uma máquina de telex de 200 quilos adaptada para RTTY, os praticantes da modalidade eram poucos e taxados de malucos e não se importavam muito com o DXCC.
Com o surgimento dos computadores pessoais e os softwares de log o quadro mudou completamente, ao pressionar de umas poucas teclas lá estava o log: limpo, organizado, com todas as informações possíveis e estatísticas confiáveis. O problema passou a ser digitar os logs velhos para espelhar a situação real do DXer. É claro que facilidade demais acaba por prejudicar e é comum encontrar logs eletrônicos cheios de lixo: QSOs sem identificação de país, modalidade errada, além das horríveis duplicidades, enfim, ter um log eletrônico não significa ter um log correto. Do lado da ARRL os computadores permitiram melhor controle dos diplomas e permitiram a criação de diplomas DXCC por banda, os modos digitais se tornaram populares e criaram o diploma Challenge, este sim, um desafio para todos, afinal alcançar a marca de 3.000 países bandas é uma tarefa para poucos, muito poucos. Eu tinha sérias desconfianças que meus logs velhos poderiam esconder alguns países bandas não cobrados à época.
Munido de toda a paciência que consegui juntar, ali por setembro de 2011, comecei a digitar os logs. Imaginei que para digitar os quase 10 mil contatos em papel levaria em torno de 50 dias corridos se tivesse a disciplina de digitar apenas 200 por dia, o que não é muito e assim fiz: reservei alguns minutos do dia para digitar a meta diária e antes do final do ano lá estava o log inteiro no computador. Os resultados foram surpreendentes, havia no log 8 países bandas que eu nem desconfiava que algum dia os houvesse trabalhados:
Comoros - D68KN 10 metros;
Navassa - KP2A/KP1 10 metros;
North Cook - ZK1MB 10 metros;
Prince Edward and Marion - ZS8MI 10 metros;
Serrana Bank - HK0AA 10 metros;
Bouvet - 3Y5X 15 metros;
Canal Zone - KZ5OJ 15 metros.
Iran/Iraq Neutral Zone - 8Z4A 15 metros;
Para confirmar ZS8MI bastou enviar o log para o LOTW e lá veio a confirmação; ZK1MB não pagou mas logo em seguida trabalhei E51MAN que pagou via LOTW ao final da expedição; KP2A/KP1 foi fácil, mandei um e-mail para o operador, ele me indicou o manager e pronto; o manager de 3Y5X estava trabalhando fora do seu país, demorou um pouco mas pagou; D68KN deu um pouco mais de trabalho mas descobri um dos operadores na Austrália e recebi o cartão.
Infelizmente não consegui confirmar HK0AA, 8Z4A e KZ5OJ. O primeiro, Serrana Bank, teve seu log queimado pela viúva do manager; a Mary Ann Cryder, WA3HUP, dos melhores managers de todos os tempos, adoeceu e não pôde confirmar a Zona Neutra. Já para a Zona do Canal, KZ5, pelos meus registros eu tinha mais um QSOs em 15 metros SSB e marcado como QSL RCVD: KZ5EJ, talvez perdido nas caixas de QSLs dos USA. Se eu conseguisse achar esse QSL minha situação em 15 metros melhoraria em muito, iria para 346 podendo alcançar 350 quando conseguir trabalhar os 4 que faltam.
Reuni novamente toda a paciência do mundo e comecei a procurar o maldito cartão da Zona do Canal. A única forma de acha-lo seria procurar QSL por QSL, um por um de forma a não ficar um único cartão de fora. Já que iria manusear milhares de QSLs, decidi digita-los todos: marcar os QSOs como confirmado; incluir no log os QSLs que havia recebido em concursos da época dos logs em papel; separar as ilhas para algum dia pedir o IOTA, ou simplesmente corrigir os dados dos QSOs que estivessem errados. Foram 14.992 QSLs digitados; os QSOs novos no log foram devidamente enviados para o LOTW. Depois disso, limpei o log retirando os QSOs duplicados, corrigi dados errados cruzando com o log em papel. Para finalizar copiei para outro arquivo de log alguns QSOs que nunca foram validados para o DXCC: XZ9A, P5RS7, 9C0X, ZC3HGN dentre outros; no log original esses QSOs foram marcados com RST igual a zero, para que o DX4WIN os considerasse inválidos, neste caso o software mantém o QSO no banco de dados mas este não é considerado nas estatísticas; se algum dia isso vier a ser alterado como foi o caso de 7O1A basta digitar 59 ou 599 no campo RST e tudo volta ao normal. Igualmente foram transferidos para o outro log os QSOs com estações que algum dia tiveram a pretensão de se tornarem países: Transkei, Siskei, Bophutatswana, Snake Island, Guemes Island e outros mais. Enfim, o log ficou pronto, com as ilhas marcadas e separadas, sem contatos duplicados, tudo limpo e organizado. Ficou um log de dar água na boca de qualquer DXer que um dia teve seus logs em papel. Agora eu sei que tenho QSLs suficientes e diferentes para 3 diplomas 5BWAZ; sei quantos QSOs eu tenho por países cabeludos e em quais bandas, quais confirmados, quantas ilhas confirmadas etc. Tudo ajustado e perfeito mas o QSL da Zona do Canal não apareceu.
Digitar os logs e os QSLs foi uma volta ao passado, ao tempo em que eu podia ficar acordado até tarde ou levantar durante a madrugada para procurar pelo pile-up de alguma expedição, ou mesmo lembrar das longas conversas com americanos e europeus para saber as novidades ou possibilidades de uma operação em Burma, Albânia, China e outros países impossíveis. Foi também uma dolorosa lembrança ver a letra nos QSLs de vários amigos que já se foram. Junto com alguns QSLs haviam cartas ou bilhetes de operadores agradecendo o bate-papo ou trazendo notícias; num desses bilhetes havia um escrito por DJ7ZG agradecendo pela ajuda com um QSO com o Anibal, operador da Estação Científica Corbeta Uruguay, mas esta é outra história para um outro texto.
73 DX de PY2YP - Cesar