quinta-feira, 15 de março de 2012

Please upload

"Não há progresso sem mudança. E, quem não consegue mudar a si mesmo, acaba não mudando coisa alguma”. (George Bernard Shaw)
Nos finais de semana, pela hora que precede o gray-line costumávamos nos reunir em 20 metros, ali perto da banda americana; naquela época os americanos só podiam falar de 14200 para cima. Ficávamos ali reunidos: o Zequinha, PT7YS, o Carrato, PY4KL, o Arthur, PY4TK, o Natividade, PY1HX, eventualmente o Jaime, PY2CK e vários outros, todos grandes e implacáveis caçadores.
A conversa era sempre monotônica, mas nunca monótona: DX era invariavelmente o tema. Conversava-se de tudo: estações que estavam no ar ou então expedições previstas. As informações eram raras e difíceis de serem conseguidas, os boletins, que uns poucos assinavam, chegavam com muito atraso e serviam apenas como referência para conseguir um QSL ou outra informação, raramente como anúncio de uma expedição. Às vezes o assunto discorria sobre a forma de operar, como a nova mania recém surgida, a roleta russa, adotada por duas das mais recentes operações: Bouvet por 3Y5DQ e HZ1BS/8Z4, Zona Neutra.
Mas as conversas acabavam sempre descambando para os QSLs. Os mais antigos gabavam-se de possuírem preciosidades como Albânia, Burma ou a cobiçada China. Os veteranos diziam ainda: “quero ver vocês conseguirem um QSL de Pitcairn, vão ter que esperar anos para o Tom Christian se dignar a confirmar o QSO”. Ou ainda, quero ver vocês conseguirem um QSL do Haiti.
De fato, ficávamos todos enrascados em dois ou três países, que não conseguíamos confirmar. Trabalhá-los até que não era difícil, mas conseguir o QSL era outra história.
O quadro não mudou, mudaram as pessoas, o grau de dificuldade dos países variou mas as confirmações continuam sendo a parte mais difícil.
A incrível evolução tecnológica nos traz o QSL eletrônico ou e-QSL que funciona do seguinte modo: uma estação que queira confirmar o QSO com outra manda uma cópia do seu log, (chama-se upload) para um site na Internet. Em seguida o computador desse site manda um e-mail para você dizendo que a estação com a qual você fez o contato lhe mandou um e-QSL e pronto, está completo o processo. Você pode pegar o QSL eletrônico e imprimi-lo ou simplesmente deixá-lo lá para quando precisar creditá-lo em alguma instituição mantenedora de um diploma.
A ARRL, patrocinadora do DXCC, já se manifestou no editorial do Year Book de 2001 que está desenvolvendo um software para gerenciar o diploma DXCC com alimentação eletrônica. Digamos: uma determinada expedição a um país qualquer ao invés de confirmar os contatos através dos QSLs convencionais simplesmente faz upload do log para o computador da ARRL. Este recebe o log e já faz o crédito desse país para todos os participantes do diploma. Você não terá o menor trabalho, o país já lhe será creditado.
Quais as implicações deste novo processo? Quais as vantagens? Qual a segurança do processo? O que fazer? E quem não tem computador?
Como já foi dito, o tempo é o senhor da razão e irá demonstrar quais serão as vantagens e quais serão os prejuízos. Todo DXer é antes de tudo um colecionador: coleciona países, zonas, diplomas mas sobretudo coleciona cartões. Com as novas perspectivas, isto é, o fim do QSL, seremos apenas colecionadores de créditos, de números puros e frios. Terão esses números o mesmo valor que os QSLs?
À primeira vista até que parece bom, não teremos que desembolsar dinheiro para imprimir cartões, pagar selos, envelopes, IRCs, green stamps e de quebra ficaremos livres do terrível medo de perde-los no correio. Para o novo diploma, DXCC Challenge, a idéia é ótima, os créditos serão automáticos sem qualquer trabalho, uma maravilha. Mas com toda a certeza do mundo, é mais um encanto que se vai. Não se coruja mais, não há mais as rodadas de bate-papo e troca de informações e não haverá mais QSL. Valerá a pena caçar?
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

terça-feira, 13 de março de 2012

O tempo é o senhor da razão.

A anarquia é essencialmente o resultado da ineficiência. (Thomas Jefferson)
As Escrituras nos contam que Cristo, em um de seus encontros com os apóstolos, disse ao seu mais fiel seguidor: – “Simão, tu és Petrus (pedra em latim) e sobre ti edificarei minha igreja.”. Simão passou então a ser conhecido como Pedro.
Devido às constantes dissensões políticas com o imperador romano de plantão – naquele tempo as divergências de opinião eram punidas com a morte – Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, em acolhimento ao seu derradeiro desejo, para não ser confundido com Cristo crucificado anos antes.
Pedro, em atendimento às ordens de seu líder, criou uma igreja e a batizou de katholicos, do grego kata (completamente) + holos (universal). Posteriormente, por critério de antigüidade, foi alçado à categoria de santo e, diz o lendário popular, designado para o cargo de porteiro do céu acumulando ainda as importantes funções de responsável pelo clima aqui do nosso pobre país.
O Brasil, diz esse mesmo lendário, é abençoado pelo Criador: não temos terremotos, tempestades, furacões, desertos e outras misérias. A nossa bandeira não ostenta a cor vermelha, nunca tivemos grandes guerras, grandes sofrimentos, pestes ou maldições que aniquilam povos da noite para o dia sem a menor piedade.
Nosso problema é outro, é crônico; sofremos o pior dos males, o da incompetência contínua e ordinária, aquela que nos mata um pouco a cada dia. Temos a sina de sermos conduzidos por políticos inconseqüentes e irresponsáveis e que se metem, sem a menor cerimônia a administradores da coisa pública. Votamos para deputados e senadores e recebemos ministros, diretores, dirigentes enfim. Os nossos votos são distorcidos com a maior desfaçatez. Políticos inescrupulosos se apoderam das instituições e as dirigem mal, com os olhos voltados aos interesses partidários e pessoais e não à causa pública. Quando as coisas vão mal não hesitam em culpar ora a imprensa, ora o pobre Santo guardião da portaria. E ao povo impingem sacrifícios e custos, para cobrir suas destemperanças.
Os consultores, os estudiosos e as pitonisas estão há muito alertando a fragilidade do setor energético. As regiões, climaticamente diferenciadas, não estão eletricamente interligadas, as fortes chuvas do sul do país não abastecem de energia a região sudeste, as águas de Tucuruí perdem-se pelo vertedouro e não geram energia para ser transferida para o nordeste seco. Nos assusta menos a falta d’água do que o despreparo; este é tanto que ouvimos um Ministro de Estado dizer: “desconhecíamos a gravidade da situação”. Estamos todos estarrecidos. Esses senhores deveriam ser presos por incompetência grave e delitiva.
A sociedade vê-se pela primeira vez forçada a viver em estado de guerra, de contenção. A crise no setor energético trará desemprego, mais miséria e muito desespero. Viveremos assim, sitiados, durante muitos anos, pois será duradoura. Viveremos como se tivéssemos vermelho na nossa bandeira, vermelho não do nosso sangue, mas o vermelho da nossa vergonha em darmos sustentação aos políticos corruptos e inconseqüentes que nos desonram.
A nossa tão propalada fartura chegou ao fim, o tão festejado binômio pão e circo, que afastava o povo dos políticos, chegou ao fim: não haverá pão e não haverá circo. A sociedade amadurecerá e extirpará os maus políticos e os governantes despreparados do vergonhoso cenário em que nos encontramos.
Durante os períodos de racionamento, quando não pudermos trabalhar, não pudermos operar o nosso rádio e estivermos perdendo os nossos DX, talvez pudéssemos ao menos aproveitar o tempo disponível e fazermos a catarse do nosso próprio comportamento cívico.
Se continuarmos reféns do nosso próprio imobilismo teremos que seguir o exemplo dos governante e colocar a culpa em São Pedro.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

domingo, 11 de março de 2012

A igualdade é injusta

Os homens são iguais, a única distinção é a diferença que existe entre eles. (Henri Monnier)
O sítio de Maracutaia da Serra vez por outra abrigava grandes discussões, nessas ocasiões os assuntos variavam desde o preço da arroba do boi gordo a questões politicamente importantes. Um conhecido e controvertido DXer sempre dava um jeito de expor sua admiração pelo regime monárquico o que literalmente incendiava a discussão. Todos os presentes tinham a mais absoluta certeza de que ele realmente estava a um passo da insanidade. Isto porque teve gente que jurava tê-lo ouvido pregando que um ex-presidente, que falava com um sotaque estranho, deveria ter sido coroado Monarca.
Desta feita porém, estavam todos circunspectos, taciturnos. O controvertido DXer, apesar de seus discutíveis posicionamentos políticos sempre expunha seus pontos de vista de forma muito clara, cartesiana, simples, incontestável. O assunto era da maior importância: estavam discutindo a iminente e gravíssima possibilidade de racionamento de energia elétrica. Ele estava anotando criteriosamente num papel o consumo de energia elétrica entre os presentes.
Vejam disse ele: “O Zé QRO se cortar quinze por cento da sua potência de transmissão continuará transmitindo com alta potência, o consumo mensal dele é de 950 kWh.” Já o nosso amigo PU ali ao lado, gasta 350 kWh por mês, continuou ele, isto significa que ele tem menos gordura para cortar, se o fizer vai sangrar.
O consternado PU disse: “Eu realmente não tenho o que cortar, vai ser um horror!” Lá em casa, continuou o PU, as roupas são passadas duas vezes por semana, os banhos são curtos e não deixamos luzes acesas em ambientes vazios. A economia lá não é imposição é um ato de consciência e um fator econômico, concluiu o ajuizado PU.
Papah Yankee que a tudo ouvia no mais absoluto silêncio fez a seguinte conta: – “Supondo que o Zé opere 16 horas por dia e consuma 2 kW de entrada em cinqüenta por cento do tempo, isto é, metade do tempo escuta e a outra metade transmita, mais 500 watts por hora para o transceiver, computador, iluminação, VHF, rotores e acessórios, teríamos um consumo na estação de 184 kWh; somando-se a um consumo de 450 kWh para o resto da casa, teríamos algo em torno de 650 kWh mensais. A pergunta é: “onde estão os outros 300 kWh?.
Todos olharam para Zé QRO que nada disse mas começou a resmungar algo como: “o medidor está com defeito, preciso falar com a companhia”. Zé levantou-se e disse que tinha que sair pois sua mulher o aguardava para ir a uma festa de aniversário, sua desculpa favorita para cair fora de situações embaraçosas.
O fato é, retomou Papah Yankee, que estão utilizando como desculpa os baixos níveis dos reservatórios para os erros cometidos na política de investimentos públicos no setor energético, para as falcatruas cometidas nas usinas termo-nucleares, com os altos custos de construção das hidro-elétricas e outros tantos erros que nos impingiram.
O grave disse tudo, continuou ele, é que o racionamento não será temporário, será permanente, a exemplo do rodízio de automóveis em São Paulo, onde utilizaram as questões ambientais como desculpa para o mau uso do dinheiro público nas soluções dos problemas de transporte coletivo, nos maus investimentos nas questões de trânsito.
O tratamento igual para os desiguais privilegiará os ricos. Os pequenos, como sempre, pagarão a conta. Isto vale também para as classes produtivas, as indústrias grandes simplesmente importarão as peças que necessitam de grande consumo energético para sua produção e, sem qualquer dúvida, ainda receberão incentivos governamentais para isso. As pequenas indústrias fecharão suas portas, não suportarão a concorrência predatória aumentando o desemprego. Enquanto isso lá no Congresso Nacional... Mas isto fica para outra ocasião.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

sexta-feira, 9 de março de 2012

Uma andorinha só não faz verão.

Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. (Fernando Pessoa)
Há muitos anos minha professora de português mandou, como exercício em aula, alterar a entonação e, por conseguinte, a pontuação da frase-título e contar quantas frases diferentes surgiriam. Esse interessante exercício nos mostrava de forma muito clara não só a necessidade da correta pontuação, mas nos levava a refletir sobre o real significado desse velho adágio.
É bastante comum, em épocas de eleição ouvirmos: “Eu gostaria de votar no Dr. Joséas para impedir a eleição do Sr. Paulo Orestes, mas ele não tem qualquer chance”. E assim, de desculpa em desculpa vamos elegendo quem não queremos. Praticamos, de forma infame, o voto útil. Esse tipo de voto que só é útil para os outros, para quem sufragamos, nunca para nós.
A recente eleição presidencial dos Estados Unidos igualmente nos remete a grandes reflexões sobre a importância do voto, a real importância do indivíduo na coletividade e do seu papel nas decisões comuns. No Estado de Novo México, o candidato vencedor ganhou por míseros quatro votos. Isso mesmo, quatro votos. O grupo de amigos que decidiu ir pescar ao invés de votar (a eleição por lá é facultativa) deve estar muito arrependido, seu candidato não ganhou devido a uma prosaica pescaria.
Durante a recontagem dos votos dessa eleição, discutiu-se tudo. Desde a forma anacrônica como os votos são computados em alguns estados, até a legitimidade de uma eleição indireta onde o Presidente pode ser eleito sem ter o maior número de votos. A eleição por lá é indireta, o colégio eleitoral elege o Presidente. Só não foi colocado em questão a participação do povo. Cidadania por lá não se discute, pratica-se.
O grande mestre Niccolo Machiavelli, sempre incompreendido, mas nunca deverasmente lido, nos ensina: “A primeira conjectura que se faz de um governante, e de seu cérebro, é observar o povo que o acolhe."
Os pensamentos de Maquiavel nos assustam porque expõem, com obscena clareza, a nossa miséria cívica. Desgraçadamente, nos ensina que a culpa do desgoverno é do povo.
Quando levantamos a bandeira do civismo e conclamamos a escreverem para seu deputado cobrando uma ação mais efetiva sobre os nossos problemas, sobre a invasão das nossas faixas, pelos irmãozinhos perueiros, pelos coitadinhos caminhoneiros, pelos pobrezinhos traficantes ou pelos incompreendidos seqüestradores, as mais das vezes ouvimos: “Você é ingênuo, acredita em Papai Noel. Imagine que alguém vai dar atenção para sua reclamação”.
Dizem que em alguns estados estão vendendo licenças. O interessado sai de São Paulo, vai a um determinado estado do Norte, “faz” o exame e volta com o indicativo de chamada da oitava região. Rápido, eficiente, perfeito.
Nós, os verdadeiros culpados, não reclamamos, não os criticamos, até mesmo os acolhemos. Não participamos, não cobramos dos nossos representantes uma ação efetiva sobre a clandestinidade, Não denunciamos aqueles que conseguem seus indicativos de forma espúria. Não denunciamos os traficantes, os seqüestradores, os contrabandistas, os perueiros ou os caminhoneiros. Alguns dos nossos, radioamadores devidamente licenciados, até mesmo os tratam como colegas!
Ficamos imóveis, impassíveis, hirtos. E assim vamos perdendo não só nossa participação na sociedade, mas vamos pouco a pouco renunciando à nossa cidadania. Estamos abdicando do nosso mais sagrado direito: o de sermos dignos.
Uma andorinha, só não faz verão.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quarta-feira, 7 de março de 2012

Até quando?

Nada nos falta porque nada somos. (Fernando Pessoa)
A velhinha estava embrulhada em um cobertor surrado assistindo o noticiário da televisão. A noite fria e o vento forte só faziam piorar o estado de espírito, quando uma notícia chamou a sua atenção: “Os deputados reunidos hoje no Congresso Nacional decidiram colocar em votação um aumento dos seus vencimentos”. “Alegam eles que estão há vários anos sem aumento e que os atuais vencimentos não fazem frente às suas necessidades” prosseguiu o locutor do noticiário.
Os tempos andavam bicudos para ela, a pensão deixada pelo seu falecido marido mal dava para as cada vez maiores despesas do mês, que aumentavam na razão inversa do seu padrão de vida. Essa situação vinha se repetindo mês após mês, ano após ano.
O frio estava realmente incomodando – o aquecedor havia sido desligado na desesperada tentativa de equilibrar o parco orçamento – e ela decidiu fazer um chá para se reanimar. Ao chegar na cozinha teve a desagradável surpresa de saber que o chá havia acabado. Mal humorada, desligou a televisão e foi dormir.
Na manhã seguinte foi ao supermercado fazer algumas compras quando se lembrou que precisava comprar chá. Ao pegar na prateleira um pacote de sacos de chá, deparou-se com uma vizinha e comentou com ela o noticiário da noite anterior deixando-a estarrecida. A velhinha, igualmente indignada, disse: “Vamos mandar para o deputado daqui da região um saquinho de chá com uma nota dizendo que se ele não voltar atrás na sua decisão, aumentar o seu salário, nunca mais iremos votar nele”.
As duas velhinhas, entusiasmadas com a idéia, começaram ali mesmo, a conversar com outras senhoras. Tanto fizeram que a travessura foi notícia na televisão local, o que fez aumentar ainda mais o número de pessoas mandando saquinhos de chá para os congressistas.
Um jornalista de plantão no Congresso Nacional notou que estavam chegando muitas cartas, de uma mesma região, para os deputados daquele estado. Investigativo por natureza, o jornalista acabou por descobrir que todas as cartas vinham acompanhadas de chá. Achou interessante e conseguiu, não se sabe por quais vias, uma carta endereçada a um conhecido deputado. Ao lê-la deparou-se com o texto originado no supermercado: “Se o senhor não retirar essa moção de aumento de salário nunca mais receberá o meu voto”. Levou o assunto para a redação e a diabrura das duas velhinhas apareceu no noticiário nacional. Em alguns dias o Congresso viu-se, literalmente, naufragado por chá. Os deputados retiraram a moção e nunca mais se falou nisso. Afinal, o chá é símbolo da liberdade, disseram eles ao arquivar os seus aumentos. Alguns, cinicamente, emendaram: “Em política vale tudo, só não se pode perder eleição.”.
No início deste ano fomos surpreendidos pelo anúncio da Anatel informando que para a outorga de indicativos especiais utilizados em concursos internacionais doravante será necessário o pagamento do Fistel. A licença, com o indicativo especial, terá duração de um mês. Um contesteiro ativo precisará pagar pelo menos 6 vezes a taxa de fiscalização no ano, fora a relativa à sua licença ordinária. Vale lembrar que pagamos a taxa anualmente e não percebemos qualquer fiscalização, a pexizada, os caminhoneiros, invadiram tudo! Não há para quem reclamar, estamos fadados a ver as nossas freqüências invadidas. A destinação dada à taxa é mais um dos insondáveis mistérios que costumam envolver o erário.
Talvez o exercício da cidadania possa nos salvar, a exemplo do ocorrido com as duas velhinhas. Mas como esperar cidadania de um povo que pula catraca? De um povo que tem a frase “levar vantagem” como mote? De um povo que anda de bicleta na contra-mão e acha que é inteligente?
Vamos calar a boca e pagar, é o que nos resta.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

segunda-feira, 5 de março de 2012

A legitimidade do QSO

Nenhum pássaro voa alto demais quando voa com suas próprias asas.
Papah Yankee estava dando suas baforadas no seu cachimbo favorito, um daqueles escavado na mais fina roseira, com uma piteira que encaixava perfeitamente na sua boca, e estava contemplando o vale quando vislumbrou lá no fundo o que parecia ser uma formação típica de entrada de frente fria.
Estava a imaginar qual seria a correlação das aberturas nas bandas baixas com a entrada das frentes frias. Ou talvez fosse a atividade solar que provocasse a movimentação das massas polares? O problema é que havia muito pouca informação a esse respeito, contudo as observações de todos os cobrões de bandas baixas apontavam nessa direção, a conclusão era óbvia: quando o tempo esfria 80 metros abre. Sem dúvida esse fenômeno era um dos grandes mistérios da propagação.
Estava ele nesses devaneios científicos quando percebeu a presença de Jota QRP e Zé QRO. Eles sentaram-se e Zé QRO, indignado, começou a falar: “Esta manhã, por volta das 08:50 zulu eu escutei um conhecido DXer em QSO com uma estação da China em 20 metros quando ele bateu: OK QSY 3508 NW”. Fui para 80 metros continuou Zé QRO: e escutei o delinqüente batendo a reportagem como se estivesse realmente fazendo o QSO. A essa hora o sol ainda está muito alto na China. Bandido! Não há propagação a essa hora!”. concluiu Zé indignado.
Papah Yankee, sem demonstrar qualquer surpresa, disse: “Zé, é impressionante o que certas pessoas fazem para ter o DX”. Fazem coisas que custamos a acreditar, prosseguiu ele, mentem, inventam QSOs, comportam-se como desvairados, como se colocar uma figurinha no log fosse o derradeiro ato de suas vidas. Tem gente, continuou ele, que submetem-se até mesmo à suprema ignomínia: entram em listas! Uma vergonha! Concluiu Papah Yankee visivelmente horrorizado.
Zé QRO, ainda indignado, falou: – Você acha certo marcar schedule por e-mail? Você não acha isso uma atitude anti-esportiva?.
Papah Yankee não respondeu e perguntou a Jota QRP: - Qual sua opinião Jota?
Jota QRP, disse com muito discernimento: – Acho que é a mesma coisa que o pessoal fazia antigamente: telefonava para os amigos, utilizava o rádio de VHF, mandava cartas para o DX, pedia auxílio àquela senhora, ou como os mais ricos que faziam ligações internacionais para o Don Miller pedindo uma freqüência fora do pile-up na sua próxima expedição.
Creio que é a mesma coisa, prosseguiu Jota, hoje o ferramental mudou, está mais barato, mais democrático. No meu entender, continuou ele, são todos farinha do mesmo saco, não passam de PXs, gente que flexiona no feminino, a QSL, a linear, essa espécie de gente. Como disse aquele sanguinário facínora francês enterrado em ZD7: “Não há nada de novo sob o sol.”.
O que há, ou melhor, continua, prosseguiu Jota, é a velha corrida pelo primeiro lugar, pelo maior número de países, pelo número mais baixo em diploma mais difícil. Essa gente, continuou ele, é capaz de qualquer coisa na inútil tentativa de angariar o respeito dos colegas. Tudo isso não passa de uma grande bobagem. Ars per ars, a arte pela arte, isto é o que conta, finalizou Jota QRP, do alto do seu saber conquistado por anos a fio de operação em potência baixa.
Bem Zé, retomou Papah Yankee, o fato é um só: cada um faz o DX como quer, ou melhor, como pode. Lembro-me, continuou ele, das sábias palavras do grande DXer Bob Locher, W9KNI: “o DX é uma atividade onde cada um estabelece as suas armas e cada um, ao olhar para o seu diploma saberá o exato valor que ele tem. Apenas ele, o DXer, e mais ninguém.”
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

sábado, 3 de março de 2012

Observando a natureza

O sítio de Maracutaia da Serra é um desses locais que todo DXer sonha ter. Localizado no topo de uma das mais altas colinas da região oferece uma vista de tirar o fôlego. A varanda da casa fica na direção da Europa onde há um imenso vale com um riacho no fundo. Nos dias de inverno o vale fica coberto por uma neblina espessa que impede a visão mas, devido a grande umidade suspensa, faz um duto ressonante próprio para as bandas baixas. Nesses dias é possível falar com a Austrália pelo caminho longo com S-9, sem QSB, talvez fosse possível até mesmo acoplar um phone patch e fazer alguns QTCs em 80 metros fonia antes do anoitecer. Papah Yankee estava sonhando com isso quando foi despertado por Zé QRO.
Desta vez não houve a costumeira invasão dos Piauis, Zé QRO viera sozinho e estava com o semblante um tanto quanto cabisbaixo.
Zé QRO era um desses operadores que liga o linear até para corujar. Para ele 1 kilowatt era coisa de maricas, QRP, próprio dos fracos e oprimidos. Ele acreditava firmemente que o mundo todo o discriminava e não ouvia seus sinais. Na sua bizarra forma de ver o mundo do DX não seria possível permanecer no Honor Roll a não ser a custa de muita potência.
A verdade era outra, ele realmente chegava forte e era atendido, mas era surdo como uma porta e não ouvia a estação de DX atender o seu chamado. Uma das suas mais marcantes características era estar no log de um país qualquer 3, 4, ocasionalmente até 6 vezes, no log. Grande potência e nenhuma paciência eram suas marcas registradas. O enorme coração e sua conhecida generosidade faziam com que fosse um dos radioamadores mais simpáticos e queridos em toda a região. Leal ao extremo não deixava de dar uma mãozinha aos iniciados, diziam até que um conhecido DXer, membro do Honor Roll, devia a ele mais da metade do seu escore. Pura maldade dizia ele, o povo fala muito você sabe. Jota QRP, seu grande amigo, vivia lhe puxando as orelhas: Zé não faça isso. Mas ele não se emendava, dizia apenas: Eu não resisti o DX estava lá dando sopa…
Entristecido ele disse para Papah Yankee: - Eu não sei o que anda acontecendo, eu não consegui trabalhar, em 80, nenhuma das últimas expedições. Acho que o pessoal não quer me atender, lamentava ele, convencido da maldade do mundo.
Papah Yankee então disse: Zé em 80 é preciso mais do que potência, é preciso humildade e esperar a hora certa. A última expedição de Willis mostrou que é preciso mais do que estação, foi preciso conhecimento, estudo, paciência e um pouco de sorte. Nessa faixa, continou Papah Yankee o cluster não adianta, é preciso voltar à moda antiga e corujar muito, esquecer o computador e ficar à espreita nas duas oportunidades, nas duas dobras da propagação.
Como você sabe o DX é muito parecido com o pintado, com a malária, discorria Papah Yankee. Nesse momento Zé QRO olhou espantando e pensou: “Os rumores da loucura dele parecem verdadeiros, o velho está mal.” Acho que vou fazer uma rifa para pagar um especialista e curá-lo.
Mas Papa Yankee continou: - Qualquer pescador sabe disso, o pintado só aparece na hora do pôr-do-sol e no alvorecer. Se você quer pescar porcaria, lambaris e bagres, passe a noite acordado mas se você quer realmente um DX de peso, um pintado, deve ficar atento nesses poucos minutos.
Eu trabalhei Willis em 80 no último dia da operação, nos pouquíssimos minutos em que havia possibilidade, relatava Papah Yankee. Eu havia me debruçado sobre os mapas de propagação e verificado que só haveria chance 20 minutos após o nascer-do-sol aqui do sítio. Por sorte Willis apareceu com um magnífico 579 e consegui o QSO.
O que você acha Zé? Eu estou pensando em esticar um fio de cada lado do vale, com 10 km de extensão, separado de 32 ondas de 160 metros e fazer um duto ressonante para fazer a zona 29 em 160 metros pelo caminho longo. Zé nada disse…
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quinta-feira, 1 de março de 2012

A inversão de polaridade

Dentre as inúmeras obras escritas por Sergeyvich Prokofiev uma delas merece especial destaque por tratar-se de uma obra didática, dedicada a ensinar às crianças conhecer o timbre dos instrumentos e compará-los com os sons da natureza. Nessa obra, Pedro e o Lobo, Prokofiev visava mais do que isso, ensinava como os pais poderiam estimular as crianças a desenvolverem o gosto pela música. No Brasil houve uma cuidadosa edição com narração do cantor Roberto Carlos; esta magnífica peça era presença obrigatória em toda discoteca decente.
Há alguns meses uma jovem senhora paulistana saiu à procura de uma nova gravação, agora em CD, para presentear seus filhos. Após muito procurar, acabou dando-se por vencida e encomendou à Tower Records de New York um exemplar narrado por um conhecido apresentador lusitano. A obra não é mais editada no Brasil.
Nas suas andanças tudo o que a senhora conseguiu achar foram inúmeras versões de músicas de pagode falando do traseiro feminino, ora subindo, ora descendo devagarinho, ora relaxando e algumas vezes encaixando. Puro lixo cultural com claros apelos à incontida sem-vergonhice.
O que anda acontecendo à nossa pobre população? Terá sido o corpo feminino reduzido à sua parte traseira? Trata-se de uma nova cultura onde todos os valores foram reduzidos a este único tema?
Em verdade o problema é mais grave do que se pode imaginar. Os novos meios de comunicação atingiram níveis de abrangência tão grandes que conseguiram inverter a polaridade da difusão cultural. Isto é alarmante.
Desde priscas eras a cultura vinha sendo difundida das camadas intelectualmente superiores para as de menos cabedal. Sempre foi assim. Esta forma permitiu a evolução da humanidade pois o processo vale, não só para as artes, mas igualmente para a ciência. Os agentes financiadores deste processo, conhecidos como mecenas, procuravam no povo, aqueles abençoados pelo talento, pela inteligência e os financiavam não só para seu próprio proveito, mas para usufruto de toda a sociedade. Mozart teve grande parte de sua carreira financiada pelo clero e pelo imperador da Áustria. A humanidade agradece.
O que vemos agora é exatamente o inverso: as camadas intelectualmente despreparadas, desprovidas do conhecimento, nos imputam sua horrenda produção. Por serem muitos, vendem muito e com isso promovem enormes níveis de audiência nos programas de televisão. Não há como escapar, somos obrigados a engolir o lixo. É inexorável. Em breve estaremos cantarolando rap e pagode.
No rádio-amadorismo “moderno” também é assim, a pexizada (é assim que se escreve?) está invadindo as faixas, ora como clandestinos, ora como rádio-amadores, promovidos por mecanismos ilegítimos, chegando em sucessivas e contínuas hordas. Eles chegam não para desenvolver, chegam para “falar no rádio”. E tome: a QSL, a linear, efeito doble, efeito dobles, efeito duple e outros efeitos que eles citam com o estúpido ar de douto que só os imbecis têm. A nova linguagem vinda da ralé é inesgotável: o mesmo, adentrar (substitui entrar), loira suada (cerveja), pé de borracha (automóvel) e vai por aí afora. Causa-nos náusea, um horror. A boa educação foi pelo ralo, agora usa-se palavrão como adjetivo reforçador. Supõe-se que é assim que eles tratam suas mães as quais chamam de progenitoras! (genitoras). Progenitora é a vovózinha.
Seria este o sentido do rádio-amadorismo? Apenas “falar no rádio”, ao invés da busca do conhecimento? Será a demagogia dos governantes e dos fabricantes de equipamentos auto-fágica? A Índia está prestes a dar o exemplo ao pretender por fim ao serviço de rádio-amador. Argumentam as autoridades indianas que o princípio básico perdeu-se e que não há mais motivo para mantê-lo. Argumentam ainda que, em não tendo mais motivo, torna-se um concorrente predatório aos meios comerciais de comunicação. E se o iminente exemplo indiano for difundido? Será o fim?
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar