segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sem chance

Toda vez que termina uma operação grande como esta de ZL9HR recém encerrada eu fico como se estivesse de ressaca de um daqueles porres homéricos: dor de cabeça, sede contínua, dor no corpo além de alta intolerância a ruídos e sons ligeiramente acima do nível de um sussurro. Talvez esse estado seja decorrente das noites mal dormidas, levantando diariamente pelas quatro horas da madrugada, pela audição continuada de telegrafia, da irritação da bagunça em fonia, talvez pela tensão trazida pelos fluxos solares insuficientes ou quem sabe pela frustração das bandas não trabalhadas.
Entende-se como gray-line a linha que separa a zona clara da zona escura ou vice-versa; temos, portanto, duas zonas de gray-line uma ao alvorecer e outra ao entardecer. Os sinais que percorrem essa linha, são muito fortes e podem trazer QSOs inacreditáveis. Mas é bom que fique claro que não são sinais perpendiculares ou oblíquos a essa linha e sim unica e exclusivamente ao longo da linha de gray-line. Esta confusão é muito comum entre os DXers mormente entre os ascendentes, aqueles que ainda não desvendaram os mistérios das bandas baixas. Os sinais perpendiculares à linha de gray-line se beneficiam de outro fenômeno conhecido como chordal propagation cuja discussão fica para outra oportunidade.
A linha de gray-line na verdade é uma faixa, sub-dividida em 3 zonas, cujas larguras são medidas em tempo e começam quando o sol se encontra a -18º, -12º e -6º de elevação, isto é, 18, 12 e 6 graus abaixo da linha do horizonte e termina quando o disco solar está inteiramente visível no horizonte, ao amanhecer, ou inteiramente oculto ao entardecer. Essas três zonas recebem os nomes de astronomical, nautical e civil twilight, ou em bom português: crepúsculo astronômico, náutico e civil. Para efeito de rádio, principalmente nas bandas baixas, a zona de gray-line que funciona bem é quando o sol está a pelo menos 12º abaixo do horizonte até alguns minutos após o efetivo término do gray-line dependendo de alguns outros fatores como o nível de condutibilidade do solo onde se encontra a estação. Obviamente, ao entardecer, o fenômeno começa um pouco antes, dependendo, igualmente, das condições do solo; quanto mais condutor for o solo, mais cedo começa ou mais tarde termina o gray-line de rádio. Eu disponibilizei no meu site uma ferramenta para o cálculo das efemérides solares e estabeleci para o gray-line o crepúsculo náutico.
Entre São Paulo e Campbell só acontece escuro nas duas pontas entre 18 de março e 27 de setembro; entre 13 de novembro e 07 de fevereiro tem luz direta nas duas pontas e não tem mais possibilidades confiáveis de QSO em 80 e 160 metros, claro, considerado aí nessas datas a latitude de São Paulo. Para outras latitudes há que ser refazer os cálculos.
Infelizmente a operação de ZL9HR teve início às 05:00 UTC do dia 01 de dezembro de 2012, fora portanto da janela de escuridão nas duas pontas, 17 dias após o último dia de gray-line. Se os operadores pudessem estar ativos no gray-line desse dia primeiro de dezembro, teríamos tido alguma possibilidade de QSO mesmo em condições marginais. Para esse dia os cálculos mostram que a linha de path estava com afastamento de 9 minutos do último instante do gray-line, sol fora do horizonte em São Paulo e inteiramente oculto em ZL9. O afastamento de 9 minutos ainda poderia dar oportunidade de QSO porque o path pelo sul não encontraria formação da camada D em condições ideais de bloquear os sinais, mas o ZL9HR não apareceu nesse dia. A cada dia que passa há que se somar mais de 1 minuto no afastamento do path em relação ao gray-line e cada minuto é crucial porque a camada D já começa a se formar na ponta de PY2 e pode bloquear os sinais, alias, 9 minutos já é um número elevado para a nossa latitude. O Fred PY2XB bem que tentou fazer com que os operadores aparecessem à essa hora do dia, mas eles só o atenderam na segunda semana quando o afastamento já estava na ordem de 14 minutos inviabilizando totalmente a chance do comunicado acontecer. Uma pena. Vamos torcer para que alguém apareça em Auckland ou Campbell pelo mês de fevereiro quando ainda não está frio assim e o possamos colocar no log. Well, o jeito foi desengarrafar o antidepressivo tarja preta e comemorar os QSOs em 12, 17 e 30 metros além de RTTY. Até que não foi tão mau assim.
73 DX de PY2YP - Cesar

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lids à solta

Indaiatuba, 20 de agosto de 2012, 11:34 UTC, 10 metros SSB.
- D64K: Papah yankee two again
- Papah yankee two yankee papah
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta

- D64K: Papah yankee two again
- Papah yankee two yankee papah
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta (apresentando visíveis sinais de nervosismo)

- D64K: Papah yankee two ending papah only please
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta (ensandecido)
- Papah yankee two yankee papah

- D64K: Only Papah yankee two ending papah all others stand by please
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta (agora em desespero)
- Papah yankee two yankee papah

- D64K: Only Papah yankee two ending papah. Ending papah please. All others QRX.
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta (o descontrole tomou conta do cérebro; já não escuta mais e está completamente rouco)
- Papah yankee two yankee papah

- D64K: I am sorry. Delta kilo three germany bravo you are five nine
- Papah X-ray five lima india delta... india delta... india delta (sobrou apenas um resquício de voz, já não atrapalha)

Sigi, DL7FT, que estava ao microfone de D64K interrompe o pile-up e começa um longo QSO com um seu conterrâneo. Os sinais permanecem ligeiramente acima do ruído durante quase todo o comunicado. Cerca de intermináveis 5 minutos depois o sinal começa a subir rapidamente, S3, S6, S8 quando Sigi passa para inglês e diz: I am sorry guys for taking the QSO so long but I had to do that. O sinal agora está em S9+10 dB. Penso comigo: agora ele não escapa basta que solte o PTT e estarei no log. Não haverá LID no universo que possa me atrapalhar, além do que o LID está completamente afônico. Mas, o Sig termina sua fala comunicando: I'm changing frequency to one eight one four zero. Faço algumas chamadas mas de nada adiantam, ele realmente fora embora levando consigo o deplorável LID.
Nada restando que pudesse ser feito, desliguei tudo, desconectei as antenas, peguei a xtal e voltei para São Paulo, já com um certo atraso e obviamente frustrado. Decidi que auto ministraria o indispensável anti-depressivo durante o gray-line do anoitecer, black label of course.
Uma das coisas de que me orgulho na minha carreira de DX são os meus logs em papel que fizeram parte da minha estação entre maio de 1974 e abril de 1994 quando encerrei o log com J88DS em A2. O velho log com letra de engenheiro dera lugar a um moderníssimo 386 rodando o DXBASE embaixo do DOS. Ao migrar para o log eletrônico havia ficado a promessa de digitar os logs quando sobrasse um tempinho, promessa que ficou me incomodando por longos 17 anos até que no segundo semestre de 2011 finalmente a cobrança venceu a preguiça e comecei a digita-los, QSO por QSO, página por página, todos devidamente checados e rechecados ao final de cada página. No início a tarefa era terrivelmente entediante, um porre. Mas, aos poucos começaram a surgir alguns países em bandas que não me lembrava mais de tê-los trabalhado algum dia. Em 15 metros: 8Z4A, Zona Neutra; 3Y5X, Bouvet; KZ5OJ, Zona do Canal. Em 10 metros: HK0AA, Serrana Bank; D68KN, Comoros; ZK1MB, North Cook; KP2/KP1, Navassa e ZS8MI, Prince Edward. Ao terminar a digitação comecei a me amaldiçoar por não ter feito isto antes, cobrar esses QSLs depois de tanto tempo não seria das tarefas mais simples. A Mary Ann Crider, WA3HUP, havia encerrado suas atividades como um dos mais respeitados managers do mundo e não consegui confirmar a Zona Neutra em 15. O manager de HK0AA havia falecido e sua viúva queimara o log com grande satisfação e algum resquício de vingança, tardia, mas ainda assim doce, segundo me disseram. O QSL para o manager de D68KN havia retornado com os dizeres: "destinatário não encontrado". Os demais recebi-os todos, inclusive Navassa em RTTY de uma outra operação. A Zona do Canal os meus apontamentos dizem que tenho confirmado, o diabo será encontrar o QSL de KZ5OJ no meio dos milhares de QSLs que tenho guardado em Indaiatuba. Tenho outros QSOs com KZ5 em 15 mas os logs perderam-se no tempo, uma pena.
Ao anoitecer o anti-depressivo black label, straight for sure, me fez esquecer o incidente com o D64K e passei a procurar uma forma de recuperar o D68KN de março de 1991. Pedi ajuda a um amigo japonês sobre o paradeiro do manager, JL3UIX, mas as notícias não foram boas, ele abandonara o rádio e mudara de cidade. Fiz uma pesquisa na internet e encontrei uma foto do QSL com os indicativos dos operadores e pude mandar alguns e-mails. Depois de alguns dias recebi a resposta de VK4IMX ex-JJ3IMX que havia se mudado para a Austrália e por sorte ainda mantinha uma cópia do log e alguns QSLs em branco. O Yoji, muito gentil, enviou o QSL confirmando o país número 339 em 10 metros. Com os novos: Swains, Papua e Salomon, trabalhados após Comoros mas ainda não confirmados, chegarei em 343, o que considero um número digno de países para a banda de 10 metros que é uma banda difícil.
Para alguns operadores egressos daquela banda, aquela próxima aos 10, o DX Code of Conduct é letra morta e enterrada, não sabem do que se trata. Nem poderiam.
Fica a lição: confirme os países logo após trabalha-los e durante o pile-up veja se o LID do sul não está no ar.
Post scriptum: O indicativo PX5LID é fictício mas os fatos são verdadeiros.
73 DX de PY2YP - Cesar

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Solidariedade

Numa manhã, há muitos e muitos anos, cem mil, quinhentos mil ou mesmo um milhão de anos, o número exato não é relevante, a natureza encontrava-se numa dessas encruzilhadas evolucionárias sempre freqüentes mas raramente bem sucedidas. Caminhava pela savana um ser meio ereto, meio curvado, andar trôpego, cambaleante, parecia pouco à vontade com sua nova postura. Olhos atentos a qualquer movimento brusco, afinal a assustadora e perigosa noite mal havia terminado quando seus olhos se depuseram sobre uma forma indistinta no meio da relva, aproximou-se e viu um seu semelhante ferido, talvez por alguma fera noturna. O andarilho abaixou-se, arrastou a criatura para uma sombra, limpou suas feridas, deu-lhe de beber e dividiu com ele o pouco do alimento que trazia consigo. A natureza nesse exato instante da encruzilhada evolucionária decidiu qual caminho seguir.
O desenvolvimento da espécie humana, ao contrário do que se diz, não se deu pela inteligência, antes, decorreu da solidariedade. Naquela longínqua manhã ao dividir espontaneamente seu alimento aquele ser primitivo estabeleceu as mais profundas raízes da sobrevivência da espécie. Ali, naquela alvorada evolucionária, a natureza através do gesto do andarilho estabeleceu as bases de evolução da nova espécie e que haveriam por dar sustentação à sua sobrevivência e propagação. Não é por outra razão que em todas as culturas, em todas as religiões, o símbolo mais sagrado, o ponto mais alto da liturgia se dá com o ato de compartilhar o pão, torná-lo comum: a comunhão. A cada vez que celebramos a comunhão nos remetemos àquela longínqua manhã, invocamos os nossos mais profundos e primitivos instintos e que nos garantiu o sucesso evolucionário: o da solidariedade.
O radioamadorismo, igualmente, teve a solidariedade como seu amplificador de desenvolvimento; no antanho, a atividade principal do rádio-amador era o apoio às comunicações, ou, nas mais das vezes, o único provedor da comunidade. O próprio nome da liga norte-americana de rádio-amadores é decorrente dessa atividade: American Radio Relay League. O dicionário Webster assim define relay: "the act of passing along (as a message)". Nos primórdios do rádio era crença corrente de que quanto maior o comprimento de onda maior seria o alcance da comunicação, mas, na realidade, os sinais iam pouco além das cidades vizinhas. Assim, para retransmitir uma mensagem da Califórnia para o Kansas, por exemplo, era preciso uma rede estações que iam retransmitindo a mensagem, cidade por cidade. E lá iam os amadores passando noites em claro, movidos pela solidariedade, até verem as mensagens chegarem aos seus destinatários.
As comunicações comerciais melhoraram, tornaram-se mais confiáveis e praticamente extinguiram a prática do QTC. Teria o avanço tecnológico sepultado a solidariedade? Ao contrário: durante as expedições ou aparecimento de países mais difíceis, os semi-raros, o indefectível espírito de solidariedade vêm à tona e escutamos estarrecidos vários indicativos serem utilizados por solidários companheiros para que aqueles possam ser colocados no log do DX. Tenho por hábito a prática da coruja, raramente fico a chamar geral ou a trabalhar países que já tenho confirmado; durante as expedições procuro trabalhar as bandas que me faltam e passo o resto do tempo corujando pile-up, minha diversão favorita, e de quebra ainda assisto as maiores demonstrações de solidariedade imagináveis. Vejo colegas tidos como sérios irem para o log da expedição sem sequer estarem presentes nas suas estações. Esses colegas não evoluíram, nem como seres humanos, por trapaceiros, nem como radio-amadores, não passam de criaturas apequenadas pelas suas mazelas, mas seus scores, estes sim continuam evoluindo.
73 DX de PY2YP - Cesar

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Baker and Howland

Ali pelo fim de fevereiro de 2002 recebi uma ligação do Marijan, S56A, me convidando para uma cerveja aqui em São Paulo. O Marcelo, PY1KN, também estava em SP e fomos todos jantar no velho filé do Morais, ali na praça Júlio Mesquita. Ao cabo do jantar perguntei ao Marijan, agora rebatizado como Mário, se ele gostaria de conhecer Indaiatuba onde tenho a segunda estação, convite prontamente aceito.
No dia seguinte, ali perto do pedágio, o Mário perguntou: "o que você tem que fazer em Indaiatuba? Voltamos a SP até a noite?". Eu respondi: "sim, voltamos a noite a tempo para uma pizza com muito chopp, só vamos a Indaiatuba erguer 6 torres e voltar", coisa rápida, finalizei. O Mário não conseguiu esconder um certo ar de zombaria mas nada disse. Depois do almoço em Indaiatuba, por volta das 14 horas começamos a levantar as torres com auxílio de um guindaste e terminamos tudo antes das quatro da tarde, a operação toda gastou 1 hora e 54 minutos, precisamente. Voltamos para SP discutindo bastante as vantagens da 4 square e como imaginaríamos seria o seu comportamento.
No final da noite, depois de muita cerveja o Mário confidenciou: "Cesar, você vai ter uma boa oportunidade de testar a 4 square, ainda é confidencial, mas em maio estarei operando de Baker and Howland com o indicativo K1B numa grande expedição."
Consegui terminar a construção do restante da antena à tempo da operação. Foi uma trabalheira dos diabos: lançar 5 quilômetros de fio para montagem dos radiais, lançar os coaxiais fasados, montar a caixa de comutação; testar e ajustar as 4 verticais foi um capítulo à parte e uma operação um tanto quanto delicada. As verticais isoladamente se comportam de uma forma e quando ligadas em fase, de outra completamente diferente, mas deu tudo certo e finalmente chegou o grande dia de testar a antena para valer, enfrentando um pile-up junto com os americanos e esclarecendo de vez todas as dúvidas: a antena funciona? Ou será que tudo não passará de um amontoado de ferro no quintal? Será que tanto investimento valeu a pena?
Os primeiros mil QSOs em antenas montadas em array, são cruciais para o seu desempenho; devem ser feitos com potência inferior a 100 watts e ir chaveando as verticais a cada 10 ou 20 comunicados. Se isto não for feito corretamente o risco da antena ficar com deformações permanentes nos lóbulos parietais é enorme. As deformações decorrem das correntes de Humboldt que alteram significativamente os módulos de Young conforme ensinam as leis de Hooke. Como não daria tempo de amaciar a antena - afinal fazer mil QSOs em 80 metros não se faz da noite para o dia, ainda mais com potência reduzida - decidi correr o risco de usar antena sem o período de amaciamento. De qualquer forma como ela precisava de um ajuste fino, o amaciamento poderia ser feito numa segunda etapa.
A operação de K1B começou no dia 29 de abril mas só pude ir para Indaiatuba na 6a feira, dia 3 de maio. Ao cair da tarde liguei a 4 square e testei com alguns europeus, em fonia para poder conversar e chavear as torres para perceber as diferenças, afinal era tudo novidade para mim. Depois de mais de duas horas me dei por satisfeito, trabalhei: LA, EI, EA, DL, PA. YL e um ES. Parece que está tudo bem com a antena e pronta para a briga do amanhecer para trabalhar o K1B. Desliguei tudo e fui dormir.
Quem opera 80 metros sabe que não adianta levantar muito cedo, a banda fica boa a partir do metade do grayline. Pelos meus cálculos a largura do grayline seria de 50' 16" o que me daria 25 minutos mais 8 minutos após o nascer do sol quando a camada D se formaria e bloquearia completamente a banda. Bem, 33 minutos é um bocado de tempo para o pile up. Fazendo a conta inversa eu precisaria estar na estação a partir das 06:00 não antes disso. Mas como a ansiedade era grande acordei as 05:15 e fui para o shack. Haviam indicações que o K1B estaria em CW e assim optei por sintonizar o linear em 3.505, ativei a torre que aponta para o Pacífico e deixei tudo pronto. Corujei um pouco 30 metros mas nada interessante por lá. Em 40 metros o K1B estava forte, consultei o log e achei AH1A em 40 e assim não me dei ao trabalho de chamar.
Voltei para os 80 mas banda estava completamente morta, o que não é raro acontecer no período que antecede o amanhecer. Por volta das 06:00, como previsto, comecei a escutar alguns americanos da costa oeste, um VE7, mas nada do K1B, pile-up mesmo só na minha imaginação. Passados uns 15 minutos, comecei a enxergar as torres da 4 square no meio do nevoeiro, uma imagem meio fantasmagórica, mas ainda assim imponente. Pensei: espero que consiga o QSO, já escutei uns pontinhos do 599 em 3504, mas indicativo mesmo não consegui copiar ainda.
Os meus estudos heurísticos, metafísicos e cabalísticos indicavam o nascer do sol precisamente às 06:30:25, mas o tempo estava passando e nada de escutar um sinal decente. Às 06:18 um californiano chegou forte, depois um K5 chegou bem, a banda estava acordando. Dois minutos depois o K1B começou a chegar com sinais por volta de S2, ligeiramente acima do ruído. Desliguei o AGC, reduzi o ganho de RF e lá estava ele com sinais copiáveis. Comecei a chamar em 3.507 onde vez por outra um americano passava a reportagem, o pile-up ainda não estava chegando na sua totalidade, apenas uma ou outra estação mais forte.
Ops! Que diabos é isso? Um argentino chamando geral em 3.503! Filho de um dipolo! O splatter dele está atrapalhando a recepção de Baker. Mudo para a frequencia dele e quando ele para de chamar DX eu bato: LU5QRO DE PY2YP PSE QSY QRM ON K1B QRG 1 UP. O argentino, muito educado, responde: VY SRI PSE CFM K1B QRG. Informo a ele a frequencia correta e o split e tudo fica em paz, ele ainda não tinha recepção para Baker e parecia que seria país novo na banda para ele também.
Volto para frequência do K1B e os sinais estão bem melhores mas com um pouco de QSB. Chamo algumas vezes mas o sinal dele voltou para dentro do ruído. As torres agora estão perfeitamente visíveis, já posso distinguir as cores do quintal, mais uns minutos e o sol nascerá. Hummm... o K1B acaba de atender um venezuelano, bom sinal, a propagação está abrindo mais para o Sul, mais um pouco e deveremos ter algum resultado.
Ah! Finalmente o sinal dá mostra de querer se recuperar, já escuto as reportagens, talvez valha a pena voltar a chamar. O operador é competente e está rápido agora, volta de primeira e não engasga com os indicativos, ajusto a velocidade para 40 ppm e vou à luta. Os americanos estão fortes e o pile-up está organizado. Chamei em cima de um N4 mas não consegui, mais um, agora um Colombiano consegue furar o pile-up, chamo em cima, mas o K1B volta para um K5, subo 200Hz e chamo. Nada. O sol já nasceu, continuo chamando e às 06:32, precisamente 2 minutos após o nascer do sol, escuto ele voltando para um chileno: CE5AR, mas que diabos parece que faltaram alguns pontos no 5, foi curtinho! E ele prossegue: ...GLD TO WRK U UR 599++ IS IT THE 4SQR? Ah! Ah! Caiu a ficha!Não era um chileno, ele batera CESAR e não CE5AR! Respondo imediatamente: HI MARIO UR 599 YES IT IS THAT GLAD TO LOG U 73 TO U ES CREW. E ele retorna: TNX CESAR QRZ UP. Ele não bateu meu indicativo e nem eu o dele, mas o QSO vale da mesma forma. Ainda fiquei corujando por algum tempo; o sinal fez o pico às 06:38, bem em cima da previsão, chegando a mais de 20 dB acima de S9, para logo em seguida cair quase que na vertical.
Anotei o contato no log, levantei da cadeira e ainda de pijama fui até o quintal e abracei uma das torres. Fiquei realmente emocionado em ver um sonho de anos se tornar realidade. Mesmo não tendo concebido a antena, a construção e o projeto foram meus. A antena ainda passaria por um ajuste fino, o que viria a fazer algumas semanas depois até me dar por completamente satisfeito. Mesmo sem os ajustes finais ela havia passado com louvor no primeiro teste real.
73 DX de PY2YP – Cesar

terça-feira, 2 de outubro de 2012

QSL não custa, vale

Quanto custa o seu DXCC? Ou seria melhor perguntar quanto vale seu diploma?
Há uma diferença abissal entre os conceitos de preço e valor. O desconhecimento destes conceitos tão pouco solidificados, mesmo entre alguns economistas importantes, induz as pessoas a cometerem erros grotescos. Para que um negócio seja fechado é obrigatório que as partes concordem com o preço e discordem do valor. Um bem de qualquer natureza somente é negociado, isto é, troca de mãos, quando, e somente quando, essas duas premissas são atingidas; por exemplo, algo mais ou menos assim: o vendedor é possuidor de um linear velho, em bom estado, mas muito antigo e anuncia o bem por, digamos, 3 mil reais; o comprador, interessado na aquisição do linear, se aproxima do vendedor e oferece 1 mil reais. Depois de muita discussão entremeada por sorrisos, elogios e algumas palavras para desvalorizar o pobre amplificador, comprador e vendedor finalmente concordam em ajustar o preço em 2 mil reais. O vendedor fica feliz e pensa com seus botões: “se esse pato tivesse firmado em 1 mil eu teria entregue, afinal é um equipamento velho e não tem qualquer utilidade para mim.”, o comprador por seu turno pensa: “se esse trouxa tivesse firmado posição nos 3 mil eu teria pago, outra pechincha desta não vou achar tão cedo pois é um bem de coleção e ainda por cima está em bom estado.” O valor atribuído pelas partes foram divergentes enquanto o preço após a discussão acabou por convergir. Ao final ambos voltaram para suas casas felizes por terem realizado um excelente negócio. O interessante deste conceito é que o preço é dinâmico, enquanto o valor é menos infenso a variações. No minuto seguinte ao fechamento do negócio o novo possuidor poderá não concordar em revendê-lo pelo mesmo preço, poderá aumentá-lo para ganhar algum dinheiro ou poderá diminui-lo para se livrar do bem, se entender que comprou errado, ou que este não mais irá atender às suas expectativas estabelecidas por ocasião da negociação. O preço é sensível também à proximidade física tanto de compradores quanto de vendedores; se houver mais pessoas interessadas no linear, numa feirinha por exemplo, o comprador poderá fechar o negócio mais rapidamente pagando um pouco mais, premido pelo medo de que outro interessado se antecipe à sua decisão. É este conceito que faz com que os leilões sejam um instrumento de venda importante. Igualmente, o preço tenderá a cair se aparecer alguém com um outro equipamento semelhante. O vendedor diminuirá a pedida antes mesmo de saber quanto o outro dono pedirá pelo seu linear. Por outro lado, quando as partes concordam com o valor, seja este alto ou baixo, não há negócio pois não há qualquer possibilidade de se discutir um preço.
Voltando à pergunta ad initium: quanto custa o seu DXCC? Ou melhor, quanto vale? O custo é relativamente fácil de calcular, basta somar os custos diretos para confirmar os QSOs: impressão de cartões, envelopes, selos, IRC, dólares e os custos de aquisição e manutenção da estação e pronto teremos o custo. E o valor? Esta resposta é ainda mais fácil: nada! Sim, o seu diploma não tem qualquer valor, vale zero, zilt, none, nihil, nada. Está a duvidar? Não acredita? Pergunte a qualquer viúva de radioamador o que ela fez com os cartões e diplomas do falecido. Tente vender um QSL daqueles bem raros como HZ1BS/8Z4, ou VS9KRV de Kamaran, por exemplo, se conseguir uns dois ou três dólares no e-Bay por algum maluco será muito. Tente oferecer o seu adorado diploma 5 BWAZ e veja quanto alguém paga. Ah! Eis a questão: o diploma, os cartões só têm valor para o DXer e para mais ninguém. Olhado por esse prisma pode-se perguntar: como um DXer consegue desvalorizar suas conquistas tornando-as espúrias, fruto de falcatruas, mentiras e outros expedientes? Ou, a pior das ignomínias: pedir para um amigo para fazer o comunicado com seu indicativo enquanto está ausente, apenas para aumentar mais um ponto na competição. Ao agirem assim, não se classificam, não se qualificam, não angariam o respeito dos seus pares. Para essa gente o QSL não vale, custa.
73 DX de PY2YP - Cesar

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O diamente na areia

Devido às constantes turras entre a Arábia Saudita e o Iraque foi criado pela ONU uma zona desmilitarizada com a forma de um gigantesco losango. Esse losango chamado de Saudi Arabia - Iraq Neutral Zone atendia aos requisitos da ARRL para ser um país para o DXCC recebendo o prefixo 8Z4; àquela época não havia essa idiotice de entidade, era país mesmo.
Em 1978 eu estava morando em Atibaia e tinha uma estação modestíssima: T4XC, R4C, SB220 e um V invertido para 20 metros dependurado num poste de madeira; nada mais do que isso. Na sexta-feira dia 11 de agosto de 1978 a minha secretária entra na sala e diz: "tem um senhor dizendo que precisa falar-lhe e que é urgentíssimo", caso de vida ou morte finalizou ela. Eis que entra esbaforido ninguém menos que o Fred Carrato, PY4KL, que estava em Atibaia visitando sua filha casada com um engenheiro meu colega de obra. Após os abraços e cumprimentos ofereci uma poltrona ao Fred e passei a escutar que urgência era essa e ele então, entre uma bicada e outra no café, passou a contar sobre a grande novidade que um americano havia lhe falado há poucos dias em 15 metros; dissera-lhe: "Fred be aware during upcoming middle August finally the diamond in the sand will be on the air by a local." e mais não disse, nem precisava. O Fred e eu passamos a conjecturar quem seria o misterioso operador: JY3ZH é da família real da Jordânia, ou talvez o próprio rei JY1, ou o pessoal que operava HZ1AB ou talvez o grande telegrafista saudita HZ1HZ muito influente junto ao rei. O Fred precisava apenas de um país para entrar no Honnor Roll e um QSO com a Zona Neutra proporcionaria uma entrada com toda a pompa e cerimônia, afinal 8Z4 estava em primeiro lugar na lista dos most wanted, o país havia sido criado e ainda não houvera qualquer operação.
O problema era o mesmo de sempre: conseguir uma licença, que neste caso, excepcionalmente, eram duas. Os principais DXers do mundo tentavam em vão consegui-la. Depois de muito tentarem finalmente um operador não muito conhecido, mas muito influente, premido pelas pressões resolvera falar com o rei da Arábia Saudita, seu primo. Não se sabe bem como, conseguiu a permissão de ambos os países: pelo lado da Arábia o primo Faissal quebrou o galho; pelo lado do Iraq nunca ficou claro como foi que conseguiu a licença, mas o fato é que lá estava o Abdullah, HZ1BS, com toda a papelada e não deu outra, foi para a Zona Neutra em meados de agosto de 1978 com toda a bagagem: grupo gerador, tendas com ar condicionado, transceiver, antenas de fios, a comitiva de criados e algumas garotas mais valentes escolhidas do seu próprio harém. Na empolgação o Abdullah esqueceu um item essencial: o VFO remoto.
O DX realmente apareceu mas só no domingo produzindo o mais horrível pile-up que o Fred e eu já havíamos ouvido até então. Sem o VFO remoto e sem muita familiaridade com pile-ups o Abdullah não teve dúvidas e inovou com uma operação denominada russian roulette. Ao invés de chamar CQ ele fazia o que em contestes se chama peek and pounce, os DXers ficavam chamando em diferentes frequências e ele ia voltando aos chamados. A banda de 20 metros ficou coalhada entre 14.100 e 14.300 de operadores berrando: Abdullah this is piaui two yankee papah ou como o Fred chamava: Piaui four kilo lima kilo lima. Quando o Abdullah contestava alguém, uma turma enorme chamava na frequência ou alguns kilohertz mais acima ou mais abaixo e a banda parecia tomada por um gigantesco enxame de abelhas correndo para cima e para baixo atrás do HZ1BS/8Z4. Vez por outra o Abdullah parava por intermináveis minutos; em 14.195 o seu fiel escudeiro Salim, OE6EEG, anunciava: "Abdullah will be back in a few minutes, you know, he has lovely girls inside the tent.". Por sua vez o HZ1BS anunciava suas paradas dizendo: "I must QRT now, I have trouble with the generator...". Cá do nosso lado a linha Drake trouxe uma vantagem que se mostrou decisiva, coloquei o VFO do RX em 14.140 e o VFO do TX em 14.270, um para o pile-up europeu e outro para o americano, e com isso eu podia chamar transceiver pelo RX e pelo TX com apenas um retoque na sintonia. Este expediente evitava que precisasse correr com o VFO atrás do Abdullah sob o risco de ver os VFOS desmontarem.
Não tivemos sorte no domingo embora tenhamos ficado quase roucos de tanto chamar o Abdullah. O Fred por volta da meia noite foi para a casa da filha e eu ainda fiquei uns minutos até a propagação ir embora. Na segunda-feira peguei o Fred por volta das 15:00, quando a banda começava a dar sinais de vida, e deixei o Fred chamar sozinho. Por volta das 18:30 locais ele disse: Thank you Abdullah you are five nine from piaui for kilo lima. Peguei o microfone imediatamente mas o ele já havia virado o VFO, não adiantava correr atrás dele, a banda estava literalmente tomada, o jeito era sentar numa frequência e aguardar pela volta do HZ1BS. Ali pela meia noite desliguei tudo e fui dormir muito preocupado, a operação poderia ser encerrada a qualquer momento. Na terça-feira somente pude ir para casa depois das dezoito horas. Linear sintonizado, TX4C lá em cima, na banda americana e finalmente por volta das 22:45 zulu o Abdullah diz: "I am sorry guys but I have trouble with the generator". Hummm... tomara que seja uma rapidinha. Deixei o TX4C na mesma frequência e vez por outra eu chamava: "Are you there Abdullah this is piaui tu uaipi?" Finalmente às 23:06 zulu o Abdullah respondeu: "Yes, papah yankee two yankee papah I am back you are five nine". Respondi imediatamente: "Thank you. You are five nine, did you fix the generator?" Juro que ouvi uma gargalhada junto com o gigantesco barulho do pessoal chamando na frequência.
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 2 de setembro de 2012

Esperando Godot

Samuel Beckett escreveu a peça de teatro Esperando Godot em 1952. A peça retrata o encontro ao acaso, ao pé de uma árvore, de dois vagabundos: Estragon e Vladimir, para esperarem por um certo Godot, não sabem quando ele chegará e nem sequer sabem verdadeiramente por que esperam. Mas estão esperando Godot. Ambos, desesperançados e quase desesperados já não podem viver sem Godot. É este o pretexto dos dois para viverem juntos e esperarem juntos. De vez em quando, um deles tenta separar-se do outro, fazendo uma espécie de excursão, mas sempre volta. Nada acontece. Só resta esperar. Até quando?
A peça foi apresentada pela primeira vez em Paris a 13 de janeiro de 1953 no pequeno Théâtre de Babylone, um teatro de vanguarda. Ficou em cartaz durante o ano inteiro. Teve o mesmo sucesso em Londres e Nova York. A peça foi traduzida para dezoito línguas e representada em todos os teatros do mundo. É um sucesso inexplicável, misterioso. Uma peça cuja ação consiste em não agir, o enredo é este: não acontece coisa alguma. Não só fez sucesso como cunhou uma expressão: esperando Godot, muito utilizada pelos pseudo intelectuais para expressarem qualquer espera infrutífera ou mesmo para a busca de um objetivo que sabe-se de antemão ser inalcançável.
Há algum tempo um aspirante a DXer me perguntou qual o segredo para atingir o topo do DXCC. A resposta não poderia ser mais simples: não há segredo. A única coisa que o DXer tem que fazer é permanecer ativo, não parar. Se olharmos para os quadros do DXCC vamos perceber uma grande quantidade de operadores que desistiram a poucos países do topo, morreram na praia, ficaram sem trabalhar cinco ou seis países, pouco mais, pouco menos. Em geral acontece assim: o DXer fica um ano sem fazer um país novo, nada acontece. Ele já não visita a estação com o mesmo entusiasmo de sempre. Passam dois anos e ele realmente deixa de operar por algum tempo; o livro de registro mostra um QSO aqui e outro acolá. Mais um ou dois anos e a antena começa a mostrar a falta de manutenção, até que um elemento se quebra pelo vento ou por alguma pipa desavisada. O rotor pára de funcionar, o linear na última vez que foi ligado fritou a chave de onda e a estação fica quase inoperante. É assim que o DXer desiste, aos poucos. O interesse pela caça aos países dá lugar a outro hobby qualquer, não demora e o DXer vende alguns itens da estação. Afinal Coréia, ou Navassa, ou quaisquer outros que o levariam ao top não vão sair mesmo, justifica ele. Quando finalmente sai uma expedição ou alguma operação solo, o infeliz já não pode trabalhar o país, ou pior, nem ficou sabendo. Os casos são inúmeros e me abstenho de citá-los, aliás, nem é preciso, eles desistiram há muito tempo.
Como em qualquer atividade as dificuldades surgem a todo instante, os percalços estão aí para serem vencidos. Ninguém fica rico do dia para a noite, claro, excetuam-se aqui os sortudos que ganham na loteria e os corruptos de todos os matizes. Como todas as grandes obras, constrói-se lenta e continuamente, os países vão sendo confirmados um a um. A nossa atividade é inteiramente dependente dos rumos que os políticos dos diversos países dão aos seus governos, com especial destaque aos países ditos democratas. Basta colocar república democrata no nome do país para se ter certeza de que o governo é tudo: totalitário, corrupto, fechado, menos democrata. É preciso apontar exemplos? Basta olhar o mapa geopolítico e lá estão eles, com principal destaque para os continentes asiático e africano. Os ditadores sul e centro-americanos, embora igualmente corruptos, sempre foram mais magnânimes nas concessões de licença para operação de rádio, o que de certa forma é um tanto quanto inexplicável, mas agradecemos assim mesmo. Há muitos anos era impossível um QSO com China, Albânia, Burma, Yemen, Lybia e outros tantos países sob governos democráticos. Nós DXers, ficávamos a esperar indefinidamente por esses e tantos outros. Para termos um pálida idéia de como era o mundo à época da guerra fria basta lembrar que para trabalhar qualquer um desses países o tempo médio de espera era de algo perto de 20 anos. Eu esperei 14 anos para trabalhar China, Moçambique, Laos, Cambodja e Vietnam; 17 anos para trabalhar Burma e Albânia; 23 anos para conseguir fazer Heard Island e Kermadec e, por último, 30 anos para conseguir Andaman. Este último saiu no começo da década de 80 mas eu havia ficado QRT entre janeiro de 1983 a abril de 1988 não pude trabalha-lo. Nesse mesmo período eu perdi, além de Andaman, Lybia, Heard e Kermadec que igualmente tiveram operações curtas. A paradinha custou caro.
Os tempos mudaram, hoje os países de maior tempo de espera, à exceção da Córeia do Norte, são aqueles que demandam maiores custos para uma expedição, como é o caso de Heard e Bouvet ou de países que têm restrições ambientais para permitirem uma expedição: Navassa, Kingman Reef e os nossos conhecidos Rochedos que recentemente começaram a sofrer restrições ambientais. Restrições estas - que embora corretas, são nas mais das vezes exageradas - estão dando oportunidade impar aos burocratas de plantão, veja que o fenômeno é universal, para imporem seus autoritarismos inconsequentes e desvairados e com isso exporem-se às mídias locais para consecução dos seus projetos políticos pessoais. As restrições, à exemplo da peça de Beckett, entraram para o modismo e vieram para ficar, Wake Island, KH9, em breve entrará para o top ten dos most wanteds. A ombrear com Wake entrarão na lista das ambientalmente proibidas diversos países do DXCC por encaixarem-se à perfeição para ostentarem o respeitável rótulo de santuários ecológicos: South Sandwich, Glorioso, Bouvet e outros, a lista é muito longa para citá-los aqui. Uma vez declaradas santuários ecológicos da humanidade serão imperiosas as concessões de licenças expedidas pelo Green Peace, ONU e várias ONGs corruptas.
A espera pode ser mais curta ou mais longa, a depender dos países que faltam, isto é, se dependem de autorização dos ditadores políticos ou dos ditadores ecológicos, ambos totalitaristas e desprovidos do mais comezinho bom senso. Por sorte, os ditadores não são perpétuos, alguns têm mandatos(?) mais curtos ou mais longos, mas cedo ou tarde, serão substituídos ou mortos. A velha e iracunda senhora dizia: "se o país existe, cedo ou tarde, você vai trabalhar." Assim, para que a espera não seja dolorosa, ficaremos a trabalhar o WAZ em todas as bandas, IOTA, Challenge, modos digitais ou outras atividades que não deixem as antenas caírem por falta de manutenção ou então sentaremos à sombra de uma árvore e poremo-nos a esperar Godot.
73 DX de PY2YP - Cesar

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Pile up - Parte II

Ali pelo final da década de 70 começaram a surgir as grandes expedições, Clipperton, Okino Torishima, operações já destinadas a promover o novos diplomas CW e 5BDXCC. Para o diploma de CW passaram a ser válidos os QSOs a partir de 1975, os QSOs em CW anteriores a 1975 contavam apenas para o diploma misto. Os pile-ups aumentaram mais um pouco.
Nas décadas seguintes os equipamentos, agora já dominados pela tecnologia japonesa, melhoraram muito e trouxeram já incorporados, filtros, VFOs separados e toda a sorte de facilidades, sem falar é claro que não precisavam esquentar antes de sintonizar e outras mazelas dos tempos analógicos. Vieram as bandas WARC ou bandas novas como passaram a ser chamadas as bandas de 30, 17 e 12 metros e os pile-ups aumentaram mais um pouco.
No começo uma expedição de sucesso, de grande sucesso, trazia um log com 8 mil QSOs, pouco mais pouco menos. Uma expedição razoável, daquelas feitas por um único operador, se bem sucedida trazia 2 ou no máximo 3 mil QSOs.
A década de 90 trouxe uma grande novidade: o cluster. Alegria das alegrias, agora os surdos podiam descobrir as figurinhas nas bandas sem corujar, bastava uma olhada na tela do computador e lá estava o DX em cores vivas, apitos, sinos e fanfarras; um clique de mouse e pronto, rádio na frequência do DX pronto para chamar. E eles passaram a chamar ensandecidamente, muitas das vezes sem sequer ouvir o DX. Pândego. Corujar virou coisa do passado. Agora a competência do DXer não se mede mais pela capacidade de ouvir as bandas - estejam elas vivas ou mortas - não se escuta mais o silêncio nem a frequência vazia para sair na frente do pile-up, não é preciso mais frequentar rodadas de DX ou copiar boletins transmitidos em CW, como fazia W6RGG que transmitia todo domingo às 23:00 zulu em 14.040, em razoáveis 30 ppm, um excelente boletim e que colecionávamos para nos orientar durante a semana. Está tudo dominado, basta um acesso razoavelmente estável à internet e pronto está feito um DXer, devidamente nivelado por baixo é claro. Os pile-ups não apenas aumentaram mas passaram a ser instantâneos. Um DXer, ao acaso, escuta uma figurinha chamando geral, trabalha e spota (verbo novo), pronto, está formado o pile-up. Atrelado à evolução tecnológica dos softwares veio outra maravilha: o decodificador de CW. O ferramental para essa gente estava disponível: um rádio estável, um filtro de qualidade, um computador com um decodificador de CW e a transmissão via teclado. Pronto, os incapazes, os surdos, os destituídos passaram a "ouvir" CW, puderam até mesmo entrar num pile-up. Os mais ousados ainda batem: LID UP UP UP quando alguém por descuido transmite na frequencia do DX. E assim nasceram os cops. Até mesmo essa gente pôde sonhar, almejar e chegar ao Honnor Roll em telegrafia, wow! Quando as condições estão difíceis eles fazem papel ridículo; durante a recente operação de 7O6T um desses operadores foi contestado 4 vezes pelo FB operador de 7O, a frequencia estava batida, o sinal não era dos melhores e havia ruído, o software parou de decodificar e o incauto continuou chamando alucinadamente, o operador de 7O batia nas confortáveis 38 ppm: PY2YP PY2YP (o meu indicativo aqui é um mero exemplo para não expor o infeliz), ao cabo da quarta tentativa o operador de 7O6T bateu PY2YP DEAF UR NIL HI e continuou o baile. Mais de uma hora depois o infausto estava lá a chamar... É o reverso da medalha tecnológica. A internet trouxe ainda o sonhado log on line, trabalhou o DX e ficou com medo de tomar um not in log? Basta olhar o log on line e trabalhar novamente.
As últimas décadas trouxe a reboque do avanço tecnológico os maus operadores, mais presentes e ousados em fonia. A falta de educação e respeito atingiu níveis absolutamente escabrosos, principalmente na Europa onde o decantado savoir faire foi literalmente pelo ralo. Essa gente certamente egressa das bandas cidadãs espalha sua grosseria aos quatro cantos descarada e despudoradamente. Triste e lamentável.
Nos últimos anos as grandes expedições passaram a competir entre elas. Não basta ativar um país difícil - seja a dificuldade relativa ao acesso ou seja ela pela obtenção da licença - agora é preciso quebrar o recorde de QSOs. Para ajudar a quebrar os recordes trouxeram uma nova ferramenta chamada leaderboard que mostra, por país, quem são os DXers que mais trabalharam a expedição. Um DXer que trabalhou 15 metros fonia, 15 metros CW e 15 metros digital fez 3 band slots, se este mesmo operador trabalhar as demais bandas em CW, por exemplo, terá feito todas as possibilidades para qualquer diploma e poderá dedicar o seu tempo e esforços para atividades mais úteis. Mas não é assim, os ególatras não se contentam em esgotar as possibilidades para obtenção dos diplomas usuais - afinal, não existe contagem para banda x modo em qualquer diploma exceto para o diploma de maior ego do país - os ególatras precisam, tem uma necessidade quase física de exibirem seus gigantescos egos para a comunidade, tentam trabalhar a expedição em todas as bandas e todos os modos. Nessa fúria incontida deixam, nas mais das vezes, de trabalhar a expedição em bandas mais difíceis que exigem concentração e esforço. Por exemplo, o incauto se mata para trabalhar 20 metros RTTY, modalidade já trabalhada em 15 metros, a banda de 20, igualmente trabalhada em fonia e telegrafia, ele não se concentra em trabalhar o país em 40 metros, banda que ainda não conseguiu, onde precisa não só de horários mais específicos mas de muita concentração. Perdem o foco. Confundem eficiência com eficácia e o preço desse erro é perder o país numa ou noutra banda mais difícil. Mesmo perdendo as bandas difíceis ficam felizes com seus egos inflados, aliás, felicidade é o que conta, afinal isto tudo não passa de um hobby. Maravilhoso, diga-se.
73 DX de PY2YP - Cesar

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Pile up - Parte I

No começo dos tempos os DX só eram feitos essencialmente em telegrafia, embora os QSOs em fonia já fossem possíveis em amplitude modulada, o que se usava mesmo era o bom e confiável CW. Os países não eram contados, não havia DXCC e não havia tanta competição. A revista QST de Outubro de 1935 trouxe um artigo entitulado "How to Count Countries Worked. A New DX Scoring System" escrito por Clinton B. DeSoto, começava nesse instante a interminável corrida à glória de todas as glórias: atingir o pináculo, o topo. Aliás, a corrida propriamente dita só pôde começar em 15 de Novembro de 1945, por impedimento decorrente da 2a. Grande Guerra.
A década de 50 trouxe maravilhas para o DX, um excepcional ciclo solar e uma interminável sucessão de avanços tecnológicos, aprimoramento de antenas, transmissores mais estáveis, receptores mais sensíveis e o surgimento da maravilha dos foneiros: the single side band. Agora sim, até mesmo os foneiros podiam fazer DX. Este invento foi a lona do circo que começava a se armar.
Nesses primeiros anos as expedições eram modestas, levadas a cabo por um par de operadores, não raramente operações solo por algum aventureiro ou por alguém que iria trabalhar pelo exército britânico.em lugares exóticos como Kamaran, Sikkim ou Sumatra, afinal naqueles anos o sol não se punha no império britânico.
Se do lado dos expedicionários as coisas não eram fáceis, do lado gerador do pile-up as coisas, igualmente, eram difíceis. Não haviam informações, os boletins eram poucos e quando chegavam às mãos dos DXers, nas mais das vezes, as notícias já estavam superadas. Localizar um manager era uma tarefa dificílima, os mesmos ingleses que operavam em lugares estranhos não se davam ao trabalho de designar um manager, cobrar um QSL de Kamaran via rádio club inglês era um exercício de muita paciência e maior sorte. O Vicentinho, PY2ELV, levou anos para receber um QSL de AC3PT, o operador era rei de Sikkim, Palden Thondup Namgyal; ele foi preso depois da invasão chinesa e pagou o QSL da cadeia. Esse rei, Palden, era casado com uma americana e inspirou o filme "O rei e eu" estrelado por Yul Brynner.
Os pile-ups embora menos intensos tinham suas dificuldades próprias da tecnologia da época, a esmagadora maioria dos operadores tinham transceivers que ficaram bastante populares depois da chegada do SSB, e nem todos tinham VFO remoto. As linhas separadas, também eram difíceis de operar split, a mais famosa delas a cobiçadíssima linha Collins tinha uma característica terrível, para melhorar o desempenho e a linearidade do VFO cada banda tinha no máximo 200 kHz. Em 20 metros a banda americana em fonia começava em 14.200; o DX colocava seu transmissor em 14.195 e dizia: listen 5 kc and up. O pobre proprietário da linha Collins tinha que colocar o TX em 14b e o RX em 14a, resultado: o infeliz não conseguia ouvir o retorno do pile-up sem mudar o receptor de banda, correr o VFO para a banda 14b e voltar para a banda 14a a fim de ouvir o DX. Surgia dessa dificuldade a grande obra da engenharia: a linha Drake que conseguiu a mesma linearidade no VFO usando permeabilidade, o núcleo de ferrite corria por dentro da bobina, grande sacada, sem dividir a banda, ouvia de 14.000 a 14.500 kHz. Além disso era possível ouvir o retorno do DX pelo VFO do TX, isso mesmo, podia-se operar: transceiver pelo receptor, transceiver pelo transmissor e separado, recepção pelo RX e transmissão pelo TX. Sucesso total, 9 entre 10 membros do Honnor Roll eram possuidores das linhas Drake.
Depois vieram os transceivers com recepção transistorizada, as válvulas, poucas, somente aqui e ali e no tanque final, e os pile-ups foram aumentando.
Nos tempos das expedições pequenas, os pile-ups em geral eram na mesma frequência, os operadores se aquietavam quando o DX batia qualquer letra que não fosse do seu indicativo, não havia o DX Code of Conduct, não era preciso.
Nas décadas de 60 e 70 haviam grandes operadores que faziam suas expedições solo: SM0AGD, VK9NS, DJ6SI, DK7PE, SM7PKK e vários outros, levavam um transceiver, um manipulador, antenas de fio e muita dedicação.
73 DX de PY2YP - Cesar

terça-feira, 17 de julho de 2012

CQ test

Há alguns dias um PY disse a um amigo comum que havia trabalhado S79RR em 40 metros para um all time new one mas que estava em dúvida se poderia ter sido algum pirata. Esse amigo comum me retransmitiu sua dúvida ao que respondi: diga para o nosso amigo que ele está no log, eu escutei o QSO dele e o operador é mesmo o DJ9RR, a letra é dele e a maneira de operar é a mesma do QSO que fiz em 12 metros. Ouvir música ajuda em situações como essa.
Os conhecedores de música clássica são unânimes em dizer que Bach foi um dos maiores, senão o maior dos compositores em todos os tempos. Bach além de ter escrito uma obra imensa, mudou a música clássica e é considerado o divisor de águas da evolução musical, quanto a isto não resta a menor de todas as dúvidas. Dentro de suas inúmeras obras uma delas se destaca para estudos teóricos mais avançados: as variações Goldberg.
A variações, ou variação no singular, é uma técnica de alteração de forma onde o tema principal é alterado em várias repetições, pode-se alterar a harmonia, o ritmo, a melodia, o timbre ou propor um contra-ponto. Para quem não é muito familiarizado com este tipo de composição sugiro ouvir as variações Diabelli Opus 120 de Beethoven e as variações da sonata em lá maior K-331 de Mozart, ambas imperdíveis. O único perigo é pegar gosto pelo classicismo e perder a tolerância com essas porcarias que andam por aí.
Conta a lenda que a obra foi encomendada pelo conde Hermann Karl von Keyserling para seu cravista Johann Gottlieb Goldberg executá-la para que ele, o conde, rematado insone, pudesse adormecer pelas trinta repetições do tema, uma belíssima ária apresentada na introdução.
Glenn Gould o mais consagrado de todos os interpretes de Bach gravou duas edições das Variações Goldberg, a primeira em 1955 e a segunda em 1981, um ano antes do seu falecimento. Estas duas peças são obrigatórias no acervo de qualquer pessoa que goste de música de primeira linha. A audição das duas peças mostrará ao ouvinte pequenas e sutis diferenças nas interpretações; o mesmo pianista, separado por 26 anos de evolução, mostra o amadurecimento e o refinamento da sua técnica em situações que os ouvidos menos privilegiados jamais conseguirão notar, mas, para alguns telegrafistas são claras o suficiente para perguntar: será o mesmo interprete? Mais adiante essas mesmas sutilezas comprovarão: é o mesmo interprete, apenas mais refinado. E não restará mais qualquer dúvida, o ouvinte saberá a verdade, verdade essa oculta apenas aos moucos. Em telegrafia as minúsculas variações do timbre provocadas pela variação da potência chegam aos nossos ouvidos com uma clareza assustadora.
Os tolos e os muito tolos há anos tentam esconder suas traquinagens em contestes enviando o log como LP quando na verdade operam assim: CQ TEST DE PY2YP transmitindo com 100 watts; atendido por uma ou outra estação fazem alguns QSOs, ligam o linear e mandam: CQ TEST DE PY2YP CQ TEST DE PY2YP voltam várias estações, abaixam a potência para 100 watts e trabalham até esgotar a fila, voltam para 1 kW e chamam novamente, abaixam a potência e seguem assim durante os períodos de baixa que todo conteste tem. Durante os períodos de grande atividade as manobras são repetidas com 300 ou 200 watts mas quase nunca operam com os 100 watts regulamentares da categoria LP.
Esses operadores fazem essas manobras na doce ilusão de que no calor do conteste, no burburinho, na barafunda, ninguém perderá seu tempo ouvindo-os. Ledo engano. Todo DXer mesmo que não tenha muita paciência com conteste não deixa de corujar, afinal sempre pode aparecer uma ou outra figurinha, seja para um diploma mais específico, seja para uma zona que precise ou simplesmente pelo mero hábito de corujar. Qualquer um ao ler os resultados dos contestes se depara com algumas discrepâncias, resultados incoerentes com o fluxo solar e potência informada. Os velhos operadores sabem que os milagres, quando acontecem, são sempre acompanhados de falcatruas. É inexorável.
Conheço vários operadores de boa cepa que ao ouvi-los são capazes de dizer se a potência da manobra foi 5 ou 10 vezes em relação à potência declarada sem possibilidade de erro; embora a tessitura da telegrafia de uma mesma estação permaneça sempre a mesma, o timbre varia com a potência, isto é física, não há como escapar. O incremento da potência altera a forma da onda e a forma do envoltório da onda que, em última análise, definem o timbre. É óbvio que ninguém tem um vatímetro no ouvido, portanto, não é possível afirmar com que potência a estação está transmitindo, mas, pode-se afirmar com absoluta convicção que a estação aumentou a potência sem sequer olhar para o s-meter. Os tolos e os muito tolos bradam aos quatro ventos que são sérios, que nunca fazem isso, tentam convencer-nos. Inútil, perdem tempo, o deles e o nosso. Seriam mais bem sucedidos se ficassem calados, hirtos. Há até mesmo um operador que há anos, muitos anos é bom que se diga, pratica essas manobras, já foi alertado e admoestado várias vezes pelos seus pares, mas sua desfaçatez é intrínseca ao seu savoir vivre. Santé.
Post Scriptum: O galicismo ao final é deliberado.
73 DX de PY2YP - Cesar

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A origem do SOS

A revista QST de junho de 2007 traz um excelente texto, de autoria de John Dilks, K2TQN, sobre a origem e o significado do sinal de socorro SOS. Seu artigo baseia-se no livro "SOS to the Rescue" de Karl Baarslag, escrito em 1935. Este livro é uma raridade, encontrei-o num sebo no Canadá e valeu cada centavo.
No início de 1904, a Companhia Marconi, que equipava com seus rádios a esmagadora maioria dos navios mercantes adotou o código CQD - que é a contração de CQ, seek you, chamado geral, e a abreviatura da palavra distress, que significa: estado de perigo ou necessidade premente como está no dicionário Webster: 3: a state of danger or desperate need a "ship in distress". - para atender emergência iminente. O significado foi estendido pelo vulgo para Come Quick Danger, ou, venha rápido perigo. Mas, este último significado não tem qualquer origem histórica, é apenas fruto do imaginário popular.
Em 1906, aconteceu em Berlin a histórica reunião internacional sobre o uso do rádio. Os italianos adotavam para o sinal de socorro a abreviatura SSSDDD, ship in distress, já os alemães, sempre teimosamente do contra, adotavam SOE, cujo significado perdeu-se no tempo. Os alemães por serem os donos da casa impuseram o chamado SOE, mas, os ingleses e americanos, depois de muita discussão, conseguiram fazer valer a opinião de que a letra E ao final do código, um simples ponto, prejudicava a cópia sob os estáticos que sempre acompanham as tormentas. Não custa lembrar, que por essa época, todos usavam ondas longas, na errônea crença de que quanto mais comprida a onda, mais longe o sinal chegaria. A onda curta foi adotada para comunicações alguns anos depois. Assim, de comum acordo, e sob os olhares dos pobres alemães que sucumbiram à própria teimosia, nasceu o chamado de socorro SOS. O chamado deveria ser feito com três pontos, três traços e três pontos ininterruptos para não ser confundido com VTB, IJS ou SMB.
A reunião terminou sem a adoção oficial do novo código porque os políticos entraram na discussão e a decisão final foi postergada para 1908. Já naquela época os políticos trabalhavam diligentemente para o mal-estar geral da sociedade. Os ingleses, sempre saudosistas, demoraram muito tempo para adotar o novo código, continuavam a usar o CQD; assim, os oceanos continuaram a ouvir os dois códigos, SOS & CQD. Somente após o naufrágio do Titanic, que transmitiu CQD para pedir socorro, os ingleses abandonaram o CQD definitivamente.
Os significados impostos ao SOS, como Save Our Souls, Save Our Ship ou Send Out Succor, não têm qualquer valor histórico ou significado real, mais uma vez, fruto do imaginário popular ou dos ascendentes das futuras hordas oriundas das bandas cidadãs.
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 17 de junho de 2012

KH8SI Swains Island

País novo é sempre bem-vindo, mas precisava ser em dose dupla? Por que não se contentam apenas com Montenegro? Ficaria bem melhor 1 em 2006 e outro em 2007. Afinal fazer 2 países em um mesmo ano pode dar overdose de adrenalina. Mas, já que assim querem, assim será. Vamos ver como fazer para eliminar esta pendência, pensava eu na semana que antecedia a operação. A situação andava um tanto complicada aqui para o meu lado. O QTH de Indaiatuba, ainda inoperante não se mostrava como a melhor alternativa para trabalha-los, as yagis de 10 e 15 metros estão travadas em direção ao norte, o que poderia ser uma solução para um QSO pelo caminho longo em 15, já que 10 metros não haveria a menor possibilidade com a MUF do jeito que anda. A yagi de 20 metros que poderia resolver qualquer pile-up está inoperante, é preciso desce-la e trocar o balum que deve estar queimado, além do mais, está fixa para o sul da europa. Igualmente fixa na mesma direção está a Yagi de 2 elementos para 40 o que complica bastante uma vez que furar pile-up via LP não é das perspectivas mais animadoras. As quatro torres da antena de 80 metros estão servindo apenas como enfeite no quintal, a antena está com a caixa de fasamento em reparos e não daria tempo de montá-la para o final de semana. No QTH de São Paulo a situação estaria bem melhor se o país ficasse em qualquer outra região, justamente na direção do pacífico central tem um prédio ao lado do meu, e muito mais alto, o que atenua os meus sinais em mais ou menos 15 dB. As antenas aqui são de fio para as bandas baixas e uma valente KT34XA para 10, 15 e 20. Claro, não tenho antenas para as bandas WARC. Decisão difícil, as notícias apontavam para uma expedição de curta duração, mais ou menos 3 dias, com início na 6a feira ou no sábado. Nestas ocasiões, o ITSHFBC é de grande valia para ajudar na decisão; na 5a feira fiz algumas análises e descobri que não haveriam janelas para os pile-ups nas bandas baixas. Quando saiu VU4, meu último país, as previsões apontavam uma excelente janela por volta das 22:30 locais, sem propagação para a Europa e USA e sinais iguais aos nossos com o Japão. Refiz esta mesma análise para KH8/S que apontou uma janela entre 16:30 e 17:00 em 15 metros. Já na parte da manhã a briga em 40 metros seria sangrenta, haveria propagação para VK, ZL, JA e US-W, tudo junto além, é claro, dos nossos queridos irmãos LU e CE. Mesmo assim, as experiências passadas com o pacífico em 40 metros pela manhã aqui de São Paulo eram desanimadoras; a absorção do prédio e o baixo ganho da Vê-invertida me empurraram para Indaiatuba. Fui para lá na tarde da 6a feira e jurei solenemente consertar as antenas antes de dezembro. No final da tarde refiz os cálculos e preparei minha sempre presente lista de bandas e horários. Por volta das 22 tomei 3 copos de água e fui dormir.
Sábado, 29 de julho, 02:30 hora local.
A natureza cumpriu seu papel. Acordei e após as devidas providências hidráulicas me dirigi à sala de rádio. Dei uma olhada no quintal e fiquei alguns minutos olhando a chuva mansa. Maravilha, pensei, essa chuva vai me dar uns 10 dB adicionais devido ao ângulo de Brewster. Liguei o rádio e nada, um ou outro europeu em 40 e 80. A banda de 20 metros completamente fechada, é claro, sem antena a coisa complica, o L invertido de 160 não ajuda em 20. Fiquei ainda uns 10 minutos e voltei a dormir, com um pressentimento terrível: a propagação está pior do que eu esperava. Por volta das 06:00 voltei para o rádio e comecei a procurar por algum sinal de Swains, sem telefone ou VHF o jeito foi voltar aos velhos tempos e corujar, bem devagar e com muita atenção. Ajustei o VFO para 7.000,00 kHz e fui subindo lentamente. Nenhum sinal em CW, nenhum pile-up, nada de novo. Fazer um país novo em 40 metros fonia é um exercício de paciência, as rodadas e os DXers sulamericanos cobrem os sinais das expedições. Em 7.085 tem alguma coisa: W3, again please, you are five nine, hummm W3, deve estar ouvindo em 7.200, vamos ouvir lá em cima. É aqui que é a festa? O pile-up comia solto. O sinal do KH8SI até que estava bom, mas o que é isso? CQ 40 CQ 40 para a rodada da fraternidade, aqui é PY7%#* hoje comemorando 48 anos de rádio. Argh!!! A minha antena está de frente para o aniversariante e de costas para o DX, que horror! Depois de muita briga ouvi meu indicativo, mas não fiquei seguro porque ele me chamou mais de uma vez e não ouvi o OK. Alguns operadores só colocam o indicativo no log se ouvirem o QSL da reportagem. Algumas vezes recebemos o temível NIL, not in log, porque a reportagem foi coberta por alguém que chamou por cima. Mas... na falta de outro QSO vai esse mesmo. Coloquei no log e fiquei corujando para ver se ele voltaria para América do Sul. Os sinais se mantiveram estáveis até as 08:10 quando a camada D finalmente bloqueou a banda, a festa ficou para os japoneses. Fiz ainda algumas tentativas em 30 metros, mas o pile-up estava ensurdecedor. A antena de 160 não sai bem em 30 de modo que acabei desistindo.
Sábado, 29 de julho, 16:00 hora local.
Liguei o rádio e fui para os 15 metros ver como andava a propagação. Comecei a corujar em 21.000 e logo ouvi o terrível espanta-expedição: CQ TEST. Nada espanta mais expedição do que um conteste. Nenhum sinal de KH8 em 15, tentei 17 metros e ouvi um pile-up por lá, mas nem um sinal deles. Desanimador. Nem tentei os 20 porque não teria antena de qualquer modo.
Domingo, 30 de julho, 06:15 hora local.
Hoje eles estão em 7.080, sinais bons, acho que vai dar QSO. Liguei o Henry e fiquei na espreita, fiz alguns chamados mas sem sucesso. Now I'll change operator, please QRX for 5 minutes. Fiquei corujando a frequência vazia, felizmente não havia rodada nem splatter, animador, vamos ver se eu faço na frequência. Passados algo em torno de 8 minutos, escuto um sinal de sintonia. Chamo o KH8SI e escuto o operador: I'm sorry, I was tuning up with the 80 meters antenna, how is my signal? Respondo com meu indicativo e digo: You are quite strong here in South America. O miserável deu uma risadinha e disse: You have to call me on 7.090 e fez um longo CQ DX de KH8SI finalizando: Listening on seven zero niner zero QRZ? Respondi na hora, eu e todo o Japão, mais os VKs e ZLs, além é claro, dos sul-coreanos e companhia. Droga, conversei com a expedição mas não fui para o log. Não os ouvi em 30 e com isso encerrei o dia.
Segunda-feira, 31 de julho, 06:15 hora local.
Caberia ao velho e leal SB220 a difícil missão de furar o prédio do lado e colocar algum sinal em Swains. Aqui em São Paulo, pelo menos tenho acesso a internet. Não os achei em 40 metros, estavam em 20, mas sem propagação. Em 30 os sinais estavam miseravelmente pequenos, nada que valesse uma única chamada. Não há má sorte que dure para sempre, eis que o cluster avisa que eles estão em 3.795. Sintonizei rapidamente o linear e chamei na frequência, ele voltou para LU2NI. Outra chamada e ele avisa: Now listening 3790. Mudei a frequência do transmissor e chamei Piaui two Yankee Portugal. Ouço: the Yankee Portugal again please. Passo o indicativo e ouço: Hi Cesar, very nice to hear you, you are 59. Thank you Paul you're also five nine, 73, respondo ao velho amigo F6EXV. Finalmente estou no log.
Terça-feira, 01 de agosto, 06:00 hora local.
Eles aparecem em 7090 ouvindo em 7.200. Chamo várias vezes e consigo o QSO. Fonia está resolvido em 40 e 80 metros. Preciso de um QSO em CW. Não quero ficar devendo 2 países na modalidade: P5 e este agora. Espero que apareçam em 40 CW esta manhã. O tempo passa, eles estão em 20 mas sem propagação. Finalmente, por volta das 07:15 eu começo a ouvi-los em 10.106, mas muito fraco. O operador, igualmente fraco, não consegue copiar os indicativos de primeira, repete muito. Mal sinal, operador assim só consegue copiar sinais acima de S9. Chamo várias vezes e escuto 'pê' ??. repito uma vez só e escuto 'pê?2?'. Esse pê é o meu, declaro. Chamo 2 vezes para conferir o tempo de resposta e ouço: 'pê?2?'. Chamo novamente mas ele volta KH8SI QRZ UP? os sinais começam a cair e finalmente às 07:45 desligo tudo. O QSO em CW fica para a próxima operação. Well, como diz o nosso mestre W9KNI no seu livro The Complete DXer: Most of the time we all are loosers.
73 DX de PY2YP - Cesar

sábado, 2 de junho de 2012

CQ DX

O meu telefone celular está programado para tocar CQ DX CQ DX BK quando algum radioamador me liga. O volume é relativamente baixo, o suficiente para que eu possa ouvir com o telefone no bolso ou mesmo a alguns passos de distância.
Na noite de encerramento do WRTC em 2006, enquanto aguardávamos o início da solenidade, estávamos o PY2SP, PY1KN, PT7CB, PT7YV e mais algumas pessoas. O burburinho era relativamente alto, todo mundo ao redor estava conversando, em várias línguas, algo como um gigantesco pile-up de fonia.
Na mesa ao lado, um grupo de americanos, todos contesteiros, falando pelos cotovelos, sobre antenas e coisas do gênero, numa outra mesa, um grupo de finlandeses falando alto, num idioma que só eles entendem, algo muito próximo da cacofonia, nada que se possa copiar. Numa outra mesa mais à frente, um grupo de tuberculosos, todos operadores de banda baixa, dentre eles o famigerado SP2FAX e além de outros cobrões dos 160. Deviam estar a falar da top band, estavam longe, não se podia copiar nada do que falavam.
Abri o telefone e coloquei o chamado geral. Os americanos da mesa ao lado, nem perceberam, o ruído de fundo estava realmente mais intenso do que o toque do telefone. Mas deixei tocar um pouco mais CQ DX CQ DX BK CQ DX CQ DX BK.
Não demorou muito, numa das flutuações do burburinho, o pessoal da mesa mais longe, a dos tuberculosos, começou a se mexer nas cadeiras, como se algo os incomodassem. Mais uns momentos e o SP2FAX congelou o gole de chopp, parou no meio, fez um leve sinal com a outra mão e pousou o copo.
Na mesa ao lado, os contesteiros acostumados a copiar apenas sinais fortes não deram a mínima ao CQ, não copiavam mesmo.
Já os tuberculosos, começaram a varrer o ambiente com os olhos a procurar de onde vinha aquele sinalzinho no meio do ruído. Os ouvidos de todos eles se esticaram, como fazem os cães quando alguém encosta no portão das suas casas.
O SP2FAX logo descobriu a fonte do chamado geral e acenou com as mãos, como a dizer: 339 339 73 TU
73 DX de PY2YP - Cesar

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A última zona

Os comunicados com a Austrália são extremamente difíceis porque os sinais passam pelo polo sul e a absorção magnética no pólo impede a passagem dos sinais. Nas bandas baixas isto é muito mais difícil, algo realmente complicado. Passar pelo outro lado, isto é, pelo caminho longo, é terrível devido a enorme distância, mais de 27.000 kilometros, contra os 12.500 km pelo polo sul, o assim chamado caminho curto.
Uma revista americana, CQ Magazine, dividiu o mundo em 40 zonas e oferece um belíssimo diploma para quem conseguir falar com todas essas zonas. Esse diploma, é bem difícil nas faixas altas, em 80 metros, é mortal.
Uma ocasião eu recebi um e-mail de um australiano, Paul, VK7BBW, aonde ele me pedia para tentar um comunicado com ele em 80 metros. O Brasil, dizia ele, é o último país que eu preciso para completar o diploma WAZ, Worked All Zones. Faz 11 anos que estou tentando, sem sucesso, me comunicar com o Brasil em 80 metros. Um americano me deu seu nome e disse que talvez você pudesse me ajudar. Montei uma antena enorme, completou ele, para este comunicado e peço a você que faça uma tentativa.
Respondi a ele imediatamente dizendo que poderíamos marcar quatro tentativas: a primeira no pôr do sol da 6a feira, a segunda no amanhecer de sábado, a terceira no cair da tarde de sábado e, finalmente, a última no amanhecer de domingo. O fim de semana dos comunicados seria dali a 15 dias, pois minha estação fica em Indaiatuba, aonde vou somente nos finais de semana.
Nesse meio tempo trocamos vários e-mails e acertamos hora, frequência e aproveitamos para trocar idéias sobre antenas e também nos conhecermos. Finalmente, chega o final de semana em que pude ir para a minha estação. Na 6a feira, não tivemos sorte, os europeus estavam muito fortes e não conseguíamos nos ouvir. No sábado pela manhã, via pólo sul, conforme esperado, igualmente não tivemos sorte. Para a tentativa de sábado à tarde, coloquei o despertador da estação para me avisar o horário e fui cuidar de outras coisas. Quando o despertador tocou, na hora e minuto exatos fui para a frequência combinada e comecei a chamá-lo. Os europeus fizeram, silêncio e ficaram a nos escutar, a notícia havia corrido e o pessoal da tribo de 80 metros sabe das reais dificuldades de um comunicado dessa natureza. A distância de mais de 27.000 kilometros em 80 metros é realmente de matar. Após várias chamadas, o sol já se pondo, finalmente ouvi uma vózinha no meio do ruído do rádio. É ele, pensei comigo, mais uns minutinhos e o pôr do sol vai dar o empurrão que necessitamos. Realmente, 4 minutos depois a voz dele veio firme no alto falante: "Papah Yankee two Yankee Papah you are four by four, forty-four, do you copy?". Respondi imediatamente: "Victor Kilo seven Bravo Bravo Whiskey, you are also forty four, four by four" Ouvi de volta, bem claro: "Thank you very much Cesar, seventy three." Outro australiano me chamou mas a propagação já havia ido embora. Ouvi apenas os europeus nos cumprimentando.
Alguns dias depois recebi uma longa carta do Paul, com o cartão junto, aonde ele me contou sobre o que se passou lá na Austrália, na Tasmânia precisamente. No domingo a tarde seus amigos foram à sua casa para comemorar. Eles colocavam a gravação do comunicado no alto falante e bebiam vinho. O Paul, mora ao lado de um vinhedo, ficaram todos de porre. Demorou 11 anos, para conseguir o famigerado diploma, mas valeu a pena.
73 DX de PY2YP - Cesar

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O retorno

Após quase uma década de silêncio decidi voltar a escrever as diatribes sobre as questiúnculas que ocorrem no rádio. O espaço físico dos editoriais do CWSP era de cerca de 640 palavras, com esta mísera quantidade de palavras eu tinha que lavrar um texto inserido nas questões radioamadorísticas de então, apresentar o tema, escrever o desenvolvimento, a coda e o fechamento. Exercício difícil uma vez que não era possível diminuir o espaçamento das linhas ou o tamanho das letras; difícil sim mas muito prazeroso e muito bom para treinamento de síntese, concatenação e outras obrigatoriedades presentes nas lavraturas de textos. Eu que sempre vivi da minha escrita, escrevendo textos técnicos e áridos por conta da profissão de engenheiro, tive nos anos de CWSP uma tribuna para escrever sobre o que mais gosto: DX.
Agora, liberto dos grilhões físicos desses editoriais contarei casos ou exporei minhas opiniões que, tenho certeza, desagradarão a alguns mas que certamente expressará o sentimento de indignação da maioria. Ninguém será obrigado a ler os textos, nem tampouco será obrigado a se influenciar por eles, basta um único mísero clique de mouse para ignorá-los. Ou, se quiserem contrapor as idéias expressas há um local reservado para isso na seção de comentários. Os personagens do sítio de Maracutaia da Serra poderão ser ressuscitados caso sejam convocados, mas pretendo deixa-los a dormitar.
O blog ainda precisa de alguma organização nos posts, assim que eu conseguir entender a lógica de inter-relacionamento entre as tabelas MySQL e dos scripts em PHP eu ajustarei os boletins do CWSP na mesma ordem em que foram publicados, mas, se alguém quiser tê-los em PDF basta baixá-los do site na seção de download. Inicialmente há apenas duas seções, a dos boletins que não receberá textos novos e a dos QSOs que receberá as novidades.
Espero ter tempo suficiente para manter alguma frequência nas publicações mas como não sou obrigado a coisa alguma poderei calar-me indefinidamente, navegarei apenas conduzido pelos ventos da conjugação saco x tempo.
Bons DX e melhores confirmações.
73 DX de PY2YP - Cesar

domingo, 15 de abril de 2012

O fim de uma era

Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana mas eu não estou seguro quanto à primeira. (Albert Einstein)
Cedo ou tarde aprendemos que mesmo a mais longa estrada tem um fim, que mesmo o mais glorioso dos dias tem um poente, a mais bela sinfonia tem sua nota final e mesmo o mais entusiasmado pode cansar-se.
Uma rápida análise do Boletim Informativo nos mostra que as suas seções foram aos poucos perdendo sua importância, as colunas de manager, informações de DX e de concursos perderam seu sentido substituídas que foram pela proliferação das informações mais ágeis e mais eficientes disponíveis por diversas páginas da internet. As colunas da secretaria e coluna técnica podem perfeitamente atender às suas finalidades através da página gráfica do CWSP.
Em verdade, o Boletim Informativo foi criado para ser o veículo de divulgação formal das atividades do Grupo. Mudaram os tempos e mudaram os meios, a página gráfica fará as vezes de boletim informativo mantendo os associados devidamente informados sobre as atividades de forma mais rápida e eficiente, mais eficaz enfim.
Certamente alguém se lembrará de tecer críticas a esta medida, críticos nunca faltaram, colaboradores sim. Dirão eles que a tradição deve ser mantida, que é lamentável, que a atitude tomada é irresponsável e outros tantos reparos. Porém, em meio aos críticos, ninguém moverá um único dedo para tomar as rédeas do Grupo ou assumir as funções de redator, ou mesmo mandar uma única colaboração, por pequena que seja.
É chegada a hora de aceitarmos as mudanças e moldarmo-nos a elas. Não deixa de ser triste perder uma publicação voltada exclusivamente a uma modalidade radioamadorística, triste mas imposta pela crueldade da modernidade.
Ninguém mais do que este seu editor lamentará a extinção do Boletim Informativo nos moldes atuais. Afinal, foram 55 meses de convívio onde foram escritos 33 editoriais e 55 boletins. Foi uma tarefa executada com grande prazer e nenhum cansaço. Apenas alegria, do começo ao fim, aliada ao aprimoramento da capacidade de escrever um texto em um espaço pré-determinado, sem mais nem menos palavras, apenas a conta certa. Para quem, como eu, vive da sua escrita foi um fenomenal aprendizado e só por isto já teria valido a pena.
O nosso mais assíduo colaborador, PY2NFE, Ronaldo continuará escrevendo sua Coluna Técnica que será publicada na nossa página gráfica. O organizado e corretíssimo tesoureiro, PY2MT, Toni, igualmente terá a movimentação da Secretaria publicada no mesmo veículo. As informações sobre a atividade radioamadorística propriamente, dita, isto é, concursos, managers e dicas de DX perdem definitivamente seu lugar para as fontes mais eficazes disponíveis na internet. A página gráfica poderá ainda abrigar uma coluna voltada à exteriorização do pensamento dos associados, mais ou menos nos moldes dos editoriais, não mais ficando restrito ao pequeno espaço destes, mais livre e mais fácil de escrever portanto. Aos demais colaboradores o meu profundo agradecimento, foi uma honra e um grande prazer ter convivido com vocês.
Aos associados do CWSP o meu muito obrigado pela atenção e tolerância com os erros cometidos. Aos leitores não associados que nos honraram com suas indefectíveis presenças igualmente os agradecimentos de todos nós do Grupo. O número de boletins retirados mensalmente da nossa página gráfica nos mostrou o acerto da medida em tornar o nosso boletim disponível a todos.
Last but not least, os personagens do sítio de Maracutaia da Serra voltam para lugar de onde vieram e nunca mais assombrarão os infaustos DXers, a turma da cooperativa e tantos outros que nos forneceram farto material para os editoriais, a eles o meu mais profundo muito obrigado. Sem eles a vida teria perdido muito do seu colorido...
Arrectis Auribus
de PY2YP - Cesar

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Proxy QSOs

Ludwig van Beethoven, proprietário de um cérebro. (o próprio)
Durante as festas do início do século XIX era de bom tom colocar um lacaio à entrada para que este anunciasse em alto e bom som o nome e as propriedades do conviva recém chegado. Para que o lacaio pudesse ter a preciosa informação o convidado mandava antecipadamente seu cartão informando o nome completo e a relação das propriedades que gostaria de verem anunciadas à sua triunfal chegada. O grande compositor, convidado para uma dessas festas, por não ter propriedades, listou seu único e precioso bem: seu cérebro. Assim, à sua chegada o lacaio bradou: “Ludwig van Beethoven, proprietário de um cérebro.” Conta a lenda que os presentes ficaram mortalmente envergonhados e o costume de expor publicamente a riqueza ilícita encerrou-se nesse dia.
A vergonha e a conseqüente extinção do costume deu-se não em razão da posse, mas da forma como o bem foi havido. Não é vergonhoso ter dinheiro, propriedades ou honrarias desde que a obtenção destes bens tenha sido de forma ilibada e honrada. A vergonha se dá quando as posses são resultado de desmandos ou de atos ilegais. Da mesma forma as honrarias quando conquistadas de forma pouco esportiva, de forma desleal ou espúria devem ser motivo de vergonha.
“Não posso esconde-las pois condenar-me-ia”. Raciocinam os detentores de conquistas ilegítimas: “Se eu ostentá-las hão de imaginar que são verdadeiras, pois ninguém teria, em sã consciência, a coragem de torná-las pública”, imaginam com escárnio em seu desavergonhado corolário.
Mudaram os tempos mas não mudaram os costumes, a humanidade é a mesma, com suas mazelas e ilusões, talvez um pouco mais cínica, ou quiçá mais tola. De qualquer forma nota-se que os padrões de decência estão desaparecendo em todas as atividades humanas e, como não poderia deixar de ser, está a acontecer em nosso hobby.
A edição de agosto de 2001 da revista QST publicou um interessante artigo de autoria de Roger Western, G3SXW, sobre a nova forma de QSOs denominada proxy QSO, ou comunicados por procuração, que vem sendo adotada em alguns países. Quando um DXer consegue quebrar o pile-up, imediatamente após o seu QSO muda de indicativo trabalhando a estação para seus amigos, parentes e correligionários com a maior desfaçatez.
Roger Western comenta, com muita propriedade, que o DX tem um certo aspecto de competição, sobretudo o diploma DXCC. Acrescenta ele: “Existem ainda as diferenças culturais, alguns somente têm prazer com o seu próprio sucesso se ele for o resultado da sua própria conquista, ao passo que outros parecem ter um profundo desejo de aceitar as falsas glórias.”. Perfeito e lamentável.
O respeitado autor, não cita nomes e indicativos, mas diz textualmente: “é comum ouvir, digamos, um operador PY2 ou UA9 chamando com vários indicativos diferentes.” Conta ele, que quando da operação a VK9C, “um certo operador trabalhou os indicativos da expedição: VK9CXF, VK9CXW e VK9CXJ em várias bandas e chamando em seguida com os indicativos de seus amigos ouvindo como resposta, em alguns casos, QSO B4, pois ele não sabia que seus amigos já estavam no log”. Interessante, muito interessante...
Na sua desenfreada ânsia de trabalhar o país para seus amigos e parentes, eles esquecem que para os bons ouvidos os sinais telegráficos podem ser facilmente identificados pelo timbre, pela cadência e por outras característicos próprias de cada transmissor. Esquecem ainda que há muita gente no pile-up e que esse procedimento é motivo de zombaria e deboche entre os operadores de expedições quando estes se encontram em foruns como Dayton, Visália e tantos outros. Uma vergonha.
Não haverá outro Beethoven e não há mais festas precedidas de anúncios de posses, mas seria muito interessante que não fossemos todos confundidos com a turma da cooperativa.
Arrectis Auribus
de PY2YP - Cesar

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A antena ideal

Valorize suas limitações e não se livrará delas. (ditado alemão)
Era uma daquelas tardes quentes do verão, daquelas em que os pássaros, com medo de queimar os pés, recusavam-se a sentar nos elementos das enormes monobandas que ficavam no alto do morro no sítio de Maracutaia da Serra. Elas fiicavam ali, solitárias e silentes contemplando o enorme vale, com seus ares de superioridade.
Papah Yankee nessa hora do dia, próximo ao cair da tarde, quando as bandas estão abertas, tinha por hábito dedicar-se à leitura. Deitado ali na rede ele podia ficar olhando as antenas e ficar imaginando que sinais estariam chegando. Nada que preste, resmungava ele, bandas altas são para principiantes, essa espécie de gente que fica contente quando trabalha alguma coisa do Oriente Médio ou alguma ilhota do Pacífico. Levantou os olhos e viu que Jota QRP estava chegando para o costumeiro bate-papo em companhia de um velho conhecido freqüentador das bandas baixas.
Eles chegaram, cumprimentaram o veterano DXer e sentaram-se. Papah Yankee estava bem humorado e convidou-os para corujarem juntos a sacrossanta hora do grayline. Como ainda faltavam alguns minutos para o sol cair puseram-se a conversar sobre o tema preferido: antenas.
Jota QRP iniciou a conversa dizendo que havia corujado uns radioamadores em 40 metros que estavam a ponto de trocarem insultos, um defendia as yagis, outro as cúbicas e um terceiro dizia que não havia nada que se comparasse a uma vertical à beira-mar. As opiniões variavam, bem como variavam os casos, um dizia que havia trabalhado um país no meio de um terrível pile-up com uma simples monobanda de 3 elementos ao passo que um outro que estava com uma cúbica de 4 elementos estava apanhando feio, e ainda assim, prosseguia o primeiro minha yagi está baixa, imaginem se estivesse alta.
É interessante isso, observou Papah Yankee, se vocês prestarem atenção, certamente ouvirão casos onde uma antena se sobressai em relação a outra em uma dada circunstância. Como a ignorância dessa gente é tão profunda quanto uma fossa abissal, eles nunca saberão as verdades dos insondáveis mistérios da propagação e também nunca desvendarão os eternos enigmas das antenas.
Ainda outro dia, continou Papah Yankee, “eu estava corujando uma estação localizada numa ilha do Pacífico que estava operando, em fonia, em 15 metros com sinais de S8 na minha yagi que está bem alta e tem ângulo de irradiação baixo. Na mesma hora, e na mesma ilha, havia uma outra estação em telegrafia com sinais miseravelmente fracos, ligeiramente acima do ruído, algo em torno de S2. Eu simplesmente virei a chave de antena para um Vê invertido que uso em 40 metros para contatos locais e o sinal dessa estação subiu para S-4, perfeitamente trabalhável.
O que ocorreu é que a estação de CW estava operando em um ponto da ilha, atrás de um paredão enorme que bloqueia o sinal para a América do Sul, ao passo que a estação de SSB estava no alto de um morro com boa visibilidade para nós. Assim, uma antena com ângulo de tiro alto tinha melhor rendimento para a estação que estava oculta.
Em verdade, ensinou Papah Yankee, não existe antena ideal, existe uma antena indicada para cada situação de propagação e de localização. Vejam como as grandes estações de concurso trabalham, elas possuem duas ou três configurações diferentes para cada faixa, com ângulos de irradiação diferenciados, onde podem, ao simples toque em uma caixa de fasamento, variar o ângulo de tiro. É claro que essas configurações são caras e exigem muito espaço, e não estão ao alcance da maioria das estações, mas ainda assim, podemos, dentro das nossas limitações, fazer uma ou outra variação para cada situação. O importante, finalizou ele, é ter consciência do comportamento da propagação e procurar a melhor forma de utilizar os recursos disponíveis.
Arrectis Auribus
de PY2YP - Cesar

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O falso cognato

Um tolo culto é mais tolo que um tolo ignorante (Moliére)
"La vien un tarado pelado com su saco en las manos correndo atraz de la buseta".
A chegada da TV paga, nos trouxe além do aumento da programação, tanto em variedade quanto em qualidade, nos trouxe, de quebra, um grande avanço cultural. O grande número de filmes e outros programas importados de outras plagas, sobretudo a que está acima do rio Grande, fez com com que as operadoras e distribuidoras dos filmes aumentassem em muito a oferta de empregos para tradutores. A excelência do serviço oferecido é tanta que ganhamos dois filmes, um que está sendo apresentado com a tecla SAP e outro que está sendo dublado ou que está em legendas.
Os disparates são inacreditáveis, os incompetentes e despreparados tradutores, ou talvez apenas mal pagos e portanto apressados e descuidados, nos concede, gratuitamente, um grande festival de asneiras. É comum ouvir traduções assim: he attended to the conference ser traduzido como “ele atendeu a conferência”. To attend significa comparecer e conference nunca foi conferência e sim reunião. Conferência em inglês é lecture.
Ou então maravilhas como estas: I realize por eu realizo (eu penso) ou we will celebrate por vamos celebrar (comemorar). Estas bobagens são, desgraçadamente, muito comuns e são conhecidas como falsos cognatos. São palavras que aparentemente tem o mesmo significado mas, em verdade, expressam pensamentos diferentes.
Alguns falsos cognatos fizeram carreira e incorporaram-se ao nosso idioma: design virou desenho, deveria ser projeto; plant virou planta, deveria ser instalação e outros tantos que não vale a pena tentar lembrá-los. O uso desses falsos cognatos fazem com que a idéia não seja corretamente expressa gerando desentendimentos.
Em nosso meio também é comum ouvir: “a antena tribanda marca tal é uma antena de compromisso, porque é uma antena para três bandas e nunca poderá ter o rendimento de monobandas.”. A assertiva é verdadeira, antenas tribandas nunca terão o mesmo rendimento que as monobandas com o correspondente número de elementos. O que está errado na frase é a expressão “compromisso”. Antena não tem compromisso, quem tem compromisso é o operador quando marca um schedule. O que o despreparado interlocutor quis dizer ou queria ter dito, é que a antena tribanda tem o seu rendimento comprometido por abrigar três bandas em uma só antena. To compromise significa comprometer; compromisso é commitment.
Basta corujar um pouco as faixas e a diversão continua, os supostos DXers praticam o falso cognato invertido, isto é, versam para o inglês palavras que não tem qualquer significado para os anglofônicos, só tem algum sentido em português de rua, de sarjeta. Tudo isso com uma pronúncia de cair o queixo, algo assim: minha vaca é papaianqui-tu-taltal, quando deveriam dizer meu indicativo é tal. Pronunciam cow ao invés de call. Praticam inglês de gago, falam: humm, heeee, huuuu e por aí adiante.
Estudar um pouco nem pensar, isso é coisa de trouxa e maricas; eu aperto o PTT e falo, dizem eles. Patético.
Outros, menos ousados, e igualmente ignorantes, pedem para o amigo fazer seus DX em fonia e vão assim, de grão em grão ou de gronga em gronga, caminhando em busca de seu sonho pândego: ser um DXer respeitado. Igualmente patético.
Quando os pretensos DXers tentam falar castellano, aí a festa pega fogo. Dizem: pueco (poco), largo ao invés de ancho. Ou então a maravilha das maravilhas: por favor CUERREX que yo voy a tomar una cueca cuela. Estarrecedor. Deveria existir alguma lei que os obrigassem a estudar um pouco, a comunidade mundial e os corujas agradeceriam in imo pectoris.
Fica-se a imaginar como eles traduziriam a frase inicial, que na verdade apenas significa: "Lá vem um tonto careca com seu paletó nas mãos correndo atrás do lotação"...
Arrectis Auribus
de PY2YP - Cesar

sábado, 7 de abril de 2012

A massa crítica

No momento das reformas, deve-se ser muito cuidadoso, porque os que melhor vão se beneficiar com as reformas ainda não sabem disso. E os que começam a perder sabem de imediato. (Machiavelli)
A recente reunião da IARU propôs oficialmente o fim da telegrafia para os exames de radioamadores. A decisão final, contudo, dar-se-á, para desesperos dos incompetentes, apenas na próxima reunião da ITU prevista para 18 de abril de 2002.
Qualquer que seja o resultado dessa reunião, o fim da telegrafia já terá sido decretado. Não como meio de comunicação confiável e muito menos como modalidade abrangida pelos radioamadores de boa cepa. Seu fim, como agente seletivo, deu-se no momento em que os interesses comerciais, isto é, interesse em aumentar a quantidade de radioamadores, superpuseram-se aos interesses de pesquisa e experimentação, apenas isto e nada mais. A verdade insofismável é que a boa e velha telegrafia ainda é utilizada pelas forças especiais, as forças de elite de vários exércitos; continuará ainda a ser utilizada como meio de transmissão entre os radioamadores que a usam como modalidade esportiva em competições, onde o DX se inclui. A telegrafia apenas deixa de ser uma barreira para os que desejam “falar no rádio”, isto é, apertar um botão e falar, como se faz nos telefones celulares. Esses pretensos radioamadores nada trazem ao desenvolvimento das comunicações, não estudam, não pesquisam, enfim são meros e inúteis coadjuvantes.
Os tolos, e os muito tolos, pensam que a extinção da obrigatoriedade de conseguir identificar uns poucos sinais em código morse deveu-se aos seus inúmeros e histriônicos reclamos ou quiça às suas baboseiras pretensamente literárias. Não passam de vivandeiras tentando acompanhar a marcha da história sem contudo influência-la. Patéticos, para dizer o menos.
Tentando ser menos drástico pode-se, com muito boa vontade, dizer que essa gente, essa massa ignara, composta dos infaustos faladores, até que ajuda. Por serem numerosos, afinal a mediocridade representa a média da maioria, podem constituir-se em mercado comprador e evitar que os fabricantes de antenas e equipamentos fechem suas portas.
Podem ainda engrossar a massa cinzenta (não confundir com o cérebro) que participa dos concursos e nos dar preciosos pontos. Eles podem até mesmo participar dos concursos de telegrafia, pois os computadores substituem o cérebro dessa gente com grande vantagem. A grande massa cinza, a horda, ajuda em muito nos contestes, os grandes operadores sabem disso, dizem eles: “concurso se ganha trabalhando aqueles que entram fazem cinqüenta ou cem comunicados e desaparecem.”
Define-se como massa crítica a quantidade mínima ou número necessário para que algo comece a acontecer. Assim, a massa crítica para os preços das antenas começarem a diminuir será algo, digamos, em torno de 20.000 potenciais compradores. Sim, pois se dez por cento da massa se interessarem seriamente por DX teremos 2.000 futuros compradores e, se um quarto deles tiverem dinheiro suficiente para implementarem seus sinais, teremos 500 compradores de antenas diretivas como eles dizem. Já os equipamentos de aumento de potência, os amplificadores lineares requerem como massa crítica um número de potenciais compradores ao redor de 100.000 entusiasmados principiantes. Essa gente, equipada com boas antenas e bem municiados poderão entrar nos pile-ups e finalmente fazer com que os DX virem suas antenas para a América do Sul e possam dizer: “listening 14200 for PY2 only. The others piuáis please stand by.”
Contudo a massa crítica acontece também para outros lamentáveis acontecimentos. Por exemplo: a massa crítica de urânio para detonar uma bomba atômica com grande poder de destruição é de apenas umas poucas unidades de massa. A massa crítica para fazer você perder um país é de apenas um idiota chamando geral na freqüência de transmissão do DX e isto é deverasmente alarmante...
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O império do Islã

Por volta do ano 610 da Era Cristã um analfabeto tropeiro começou a ter sonhos em que um anjo de nome Jebrail o chamava ao topo de uma montanha, ali pelas cercanias de Meca. O anjo trombeteiro (sim é o mesmo Gabriel), nos seus sonhos, dizia ter importantes recados do Senhor.
Maomé, o tropeiro, mostrou-se estar à altura da interlocução e absorveu com grande propriedade os ensinamentos. Apesar da sua pouca cultura e nenhuma letra, era dotado de grande inteligência e invulgar senso político. Disse ele ao retornar da montanha: “não sou um ser divino, sou um analfabeto ungido pelo desejo de Deus em melhorar o nosso povo”. De modo a não entrar em conflito com outras religiões monoteístas, afirmou que Cristo e Buda também foram legítimos representantes da Sua vontade. Mas, continuou ele, seus seguidores deturparam os ensinamentos do Senhor que agora o elegia como Seu profeta. Habilmente, escolheu para sua unção o mesmo morro usado tempos antes para por à prova a fé de Abrãao, aliás, usou a própria pedra onde ele colocara o primogênito para matá-lo. Fica ali perto de Meca onde hoje está a grande mesquita do Islã.
De volta a Medina, sua terra de origem, Maomé, por não saber escrever, convocou os letrados para ditar o Corão, criando o conselho dos sábios que chamou de Shura. No ano de 622, ano zero do islamismo, Maomé empunhou armas e decidiu tomar as cidades de Medina e Meca, não sem antes comunicar ao Shura que, por não ser divino, seu sucessor, caso caísse em batalha, deveria ser eleito por eles. Morreu em 633, aos 63 anos, e o conselho elegeu Abu Baker (não confundir com 5AIA), que uniu a religiosidade e o código de conduta do Corão aos poderes do Estado.
De forma a propagar o texto sagrado, Abu Baker obrigou a todos a aprender a ler e escrever, eliminando a analfabetismo e fazendo do livro a grande arma de expansão do seu império.
Assim, século após século, o islamismo cresceu e difundiu os ensinamentos. As universidades de Teerã, de Bagdah e de Medina, trouxeram grandes avanços nas ciências e nas artes matemáticas. Nesta última criaram o conceito do zero: os algarismos romanos não o têm, os arábicos têm. Os médicos de Bagdah intuíram que as doenças poderiam propagar-se pelo ar e pelo contato, assim, decidiram isolar os doentes de mesmos sintomas em alas separadas dos hospitais, que também é outra criação islâmica. A indústria têxtil árabe era de excelente qualidade: era tão boa que, quando os católicos queriam vestir as imagens dos seus santos, usavam os tecidos árabes; aliás, aqueles arabescos bordados com fios de ouro nas bordas são trechos do Corão ali desenhados para divulgá-lo.
O império cresceu tanto que ia desde as montanhas de Cashemira na Índia até os costados da Espanha, não sem antes passar por todo o norte da África. Se cresceu tanto por que acabou? Acabou pela guerra com as cruzadas romanas e sobretudo, pela invasão dos bárbaros vindos da Mongólia. Ambas as frentes tomavam as aldeias islâmicas, ateavam fogo nos livros e assassinavam os membros dos Shuras, dizimando o conhecimento de mais de mil anos.
Aqui estamos todos temendo pela nossa invasão bárbara, acenam alguns que os caminhoneiros e pexizeiros devem invadir, como se já não o fizessem, as nossas faixas, agora amparados pela lei. Pregam eles que os novos bárbaros sejam dispensados dos exames de telegrafia, dos parcos e poucos conhecimento de eletrônica e venham a fazer parte da classe dos radioamadores. Querem eles moldar as leis às suas limitações e contam com a próxima reunião da ITU para alcançar a glória suprema: ser radioamador classe A, pêipsilon de duas letras como dizem. A cruzada contra o radioamadorismo já começou e será curta, seremos todos banidos, teremos os nossos boletins, revistas e artigos técnicos incinerados. Seremos perseguidos e expostos à execração pública, teremos nossos QSLs confiscados e queimados em nome da nova ordem. Não mais existirá limitação de modo ou de freqüência, o caos instalar-se-á definitivamente e os telegrafistas serão chamados de terroristas...
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

terça-feira, 3 de abril de 2012

Tudo pelo social

Desconheço o que o amanhã me trará. (Fernando Pessoa in extremis)
Seu dia, 30 de Novembro de 1935, havia chegado. A hora era a hora da morte, da elucidação dos mistérios da fé. A luz estava a lhe faltar, a vida estava se esvaindo; pediu os óculos e escreveu, em inglês, sua última frase: “I know not what tomorrow will bring”. Naquele instante haviam acabado as dores na alma de Fernando Antônio Nogueira de Seabra Pessoa, um dos maiores poetas da língua portuguesa. Com ele morreram ainda Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, seus heterônimos.
As dores dos cidadãos brasileiros estão muito longe de acabar; vivemos, por obra e graça dos maus políticos, uma das piores quadras da nossa história.
As minorias organizadas estão a impor suas pretensões que o governo, politicamente covarde, erroneamente lhes concede. Governa-se pela minoria, governa-se pela covardia e pela destemperança. “Tudo pelo social” é o mote.
Ninguém sabe como começou, mas aos poucos as bicicletas começaram a aparecer na contra-mão. Os imbecis com suas caras de doutos, marca registrada dos idiotas, começaram a andar no contra-fluxo do tráfego argumentando: “É mais seguro, eu vejo o perigo de frente”; e não falta quem lhes dê razão. Os pobres ciclistas desconhecem a mais simples das leis da física: velocidades em sentido contrário somam-se. Morrem aos borbotões. Basta andar pela cidade de São Paulo e verá um ciclista morto por dia. Eles não vêem o perigo pela frente, vêem a morte quando é tarde demais. Morrem pela ignorância, pela estupidez. As autoridades nada fazem.. A imbecil idéia de andar na contra-mão fez carreira, agora andam na rua carrinhos de bebê, cadeiras-de-rodas, carrinhos de supermercado, e tudo o mais que tenha rodas, claro, todos pela contra-mão. O motivo? As calçadas foram tomadas pelos camelôs com a anuência do governo. Tudo pelo social, dizem os nossos politicamente covardes governantes.
As motocicletas andam por entre os carros com o beneplácito da lei, o Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 56 lhes proibia, mas os fabricantes de motocicletas argumentaram que o desemprego seria grande, a categoria dos moto-boys seria prejudicada. O governo, velando pela minoria, anuiu; vetou o artigo 56. Morrem os pedestres atropelados pelas motos, mas isso não é importante, os mortos não se organizam, nada reivindicam e não são ouvidos. Aos mortos só lhes restam doar seus órgãos como exemplo de cidadania. Morrem com dignidade, assassinados pelo descalabro que tomou conta do país. “Tudo pelo social”.
Os perueiros incendeiam ônibus, tomam as ruas e zombam das autoridades e nada lhes acontece. O governo acuado brada: “Tudo pelo social”.
As ligações elétricas clandestinas, os gatos, propagam-se como praga; na Bahia atingem a marca de 16,5%, no Rio de Janeiro atendem a milhões de habitantes. O governo nada faz, exige racionamento de quem paga, das ligações regulares. Os gatos? Estes ficam impunes e livres de contas e cotas. “Tudo pelo social”.
Os traficantes, utilizam as freqüências de rádio com seu HTs, os entregadores de pizzas, os manobristas, os seguranças particulares usam as freqüências de VHF com a maior cara-de-pau. Estão impunes, o governo os ignora e lhes dá guarida: “Tudo pelo social”.
Os caminhoneiros usam as nossas freqüências, expulsam-nos dos 12 metros, dos 10 metros, ou de qualquer outro lugar. Fazem parte das minorias organizadas, portanto nada lhes acontece. Aos caminhoneiros juntam-se os perueiros, os pescadores em 80 metros, os fazendeiros, e quem mais quiser. A fiscalização, é claro, só atua sobre os radioamadores licenciados. “Tudo pelo social”.
O caos instalou-se, a sociedade agoniza, o país está à morte por falta de energia e o governo ostenta sua postura favorita: “Desconhecíamos a gravidade da situação”. O governo, em todos os níveis, zomba da sociedade, debocha da maioria desorganizada. Desgraçadamente desconhecemos o que o amanhã nos trará mas teremos que enfrentá-lo.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar