domingo, 1 de abril de 2012

Estranhos caminhos

Elementar, meu caro Watson. (Sir Arthur Conan Doyle)
Era uma daquelas tardes de inverno, fria, enevoada, como se fosse um aviso de boa propagação nas bandas baixas. Papah Yankee estava absorto, imaginando uma forma de colocar algumas beverages em fase para conseguir copiar a zona 29 em 160 metros quando foi acordado pela horda. “Viemos para o chá”, bradaram eles.
Estavam eles a discutir acaloradamente os insondáveis mistérios da propagação. Um dos piuáis presentes começou a contar: – “Domingo pela manhã, ali pela hora do almoço, havia um 5B4 com um sinal fortíssimo. Eu chamei por ele e não fui ouvido”, continuou o infeliz piuái, “era país novo para mim em 10 metros. O pior”, emendou ele, “é que o sinal era tão forte, mais de 20 dB, que eu não pude acreditar que não estava chegando lá.”
Um outro piáui, remanescente das castas inferiores, disse do alto do seu suposto saber: – “Você sabe, essas figurinhas estão querendo faturar uns greens e só falam com os americanos. Esses operadores”, emendou o pretendente a DXer, “são a vergonha do DX, um descalabro”, finalizou ele visivelmente indignado.
Um outro DXer, este sim um veterano, tomou a palavra e disse: – “Eu também estava nesse pile-up, com uma antena de 6 elementos e 1 kW e igualmente não consegui ser ouvido. Mas”, continuou ele, “isso não foi nada. Aquela grande estação do sul entrou no pile-up com sua gigantesca configuração de 10 metros devidamente empurrada por alguns kilowatts e também não foi ouvida. Algumas vezes”, continuou o veterano, “a propagação não é bidirecional pois os sinais procuram estranhos caminhos”, concluiu ele.
Jota QRP, que a tudo ouvia, disse calmamente: –“Felizmente, pois se assim não fosse eu ainda estaria engatinhando no DXCC. Vez por outra”, continuou ele, “os americanos chegam aqui muito forte, o DX fraquinho e eu chamo uma só vez e pronto: mais um no log. Os sinais que os americanos colocam aqui não é o mesmo que colocam lá no DX e isso espanta os principiantes. Devemos chamar sempre pois os sinais que recebemos nada representam. Podemos chegar forte em um país que mal escutamos. São os estranhos caminhos”, ensinou.
Papah Yankee, que estava no canto apenas observando o desfilar de tanto conhecimento, deu uma baforada no seu cachimbo de roseira e falou: – “O que houve com o 5B4 foi apenas a diferença entre os ângulos de irradiação dele com os das nossas estações. O ângulo de tiro dele atingia uma região densamente ionizada e refletia o sinal com grande eficiência, ao passo que os nossos estavam atingindo uma região mal ionizada ou sem qualquer condição de refletir os sinais, fazendo com que os nossos sinais simplesmente não chegassem até ele. Este tipo de propagação é bastante comum em freqüências críticas, ao redor e acima de 30 MHz.”
“É tolice”, prosseguiu Papah Yankee, “imaginar que os sinais são bidirecionais, é preciso considerar as diferenças de antena, potência, equipamentos, solo e outras, entre as duas estações. Há ainda a diferença entre os terrenos utilizados pelos “skips” das duas estações, que não são os mesmos devido, principalmente, aos seus ângulos de tiros. A absorção dos sinais é função direta da condição de refletividade dos terrenos atravessados.”
“Ao longo da minha vida no DX”, continuou o grande DXer, “já vivi e presenciei situações muito peculiares. Ainda agora estou testemunhando uma série de estranhos comunicados em bandas baixas onde alguns DXers locais conseguem comunicados sem propagação. Dizem os sábios que esses DXers estão utilizando um equipamento novo na recepção, conhecido como DESR (Device for Extra Sensorial Reception), que deve ser o sucessor do EDSP atualmente utilizado nos equipamentos de última geração. Segundo dizem, esses equipamentos são produzidos na Rússia Asiática”, finalizou ele com um sorriso misterioso nos lábios.
Jota QRP, inveterado coruja, sabedor desses QSOs apenas disse: “...elementar, meu caro Watson...”
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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