sexta-feira, 13 de abril de 2012

Proxy QSOs

Ludwig van Beethoven, proprietário de um cérebro. (o próprio)
Durante as festas do início do século XIX era de bom tom colocar um lacaio à entrada para que este anunciasse em alto e bom som o nome e as propriedades do conviva recém chegado. Para que o lacaio pudesse ter a preciosa informação o convidado mandava antecipadamente seu cartão informando o nome completo e a relação das propriedades que gostaria de verem anunciadas à sua triunfal chegada. O grande compositor, convidado para uma dessas festas, por não ter propriedades, listou seu único e precioso bem: seu cérebro. Assim, à sua chegada o lacaio bradou: “Ludwig van Beethoven, proprietário de um cérebro.” Conta a lenda que os presentes ficaram mortalmente envergonhados e o costume de expor publicamente a riqueza ilícita encerrou-se nesse dia.
A vergonha e a conseqüente extinção do costume deu-se não em razão da posse, mas da forma como o bem foi havido. Não é vergonhoso ter dinheiro, propriedades ou honrarias desde que a obtenção destes bens tenha sido de forma ilibada e honrada. A vergonha se dá quando as posses são resultado de desmandos ou de atos ilegais. Da mesma forma as honrarias quando conquistadas de forma pouco esportiva, de forma desleal ou espúria devem ser motivo de vergonha.
“Não posso esconde-las pois condenar-me-ia”. Raciocinam os detentores de conquistas ilegítimas: “Se eu ostentá-las hão de imaginar que são verdadeiras, pois ninguém teria, em sã consciência, a coragem de torná-las pública”, imaginam com escárnio em seu desavergonhado corolário.
Mudaram os tempos mas não mudaram os costumes, a humanidade é a mesma, com suas mazelas e ilusões, talvez um pouco mais cínica, ou quiçá mais tola. De qualquer forma nota-se que os padrões de decência estão desaparecendo em todas as atividades humanas e, como não poderia deixar de ser, está a acontecer em nosso hobby.
A edição de agosto de 2001 da revista QST publicou um interessante artigo de autoria de Roger Western, G3SXW, sobre a nova forma de QSOs denominada proxy QSO, ou comunicados por procuração, que vem sendo adotada em alguns países. Quando um DXer consegue quebrar o pile-up, imediatamente após o seu QSO muda de indicativo trabalhando a estação para seus amigos, parentes e correligionários com a maior desfaçatez.
Roger Western comenta, com muita propriedade, que o DX tem um certo aspecto de competição, sobretudo o diploma DXCC. Acrescenta ele: “Existem ainda as diferenças culturais, alguns somente têm prazer com o seu próprio sucesso se ele for o resultado da sua própria conquista, ao passo que outros parecem ter um profundo desejo de aceitar as falsas glórias.”. Perfeito e lamentável.
O respeitado autor, não cita nomes e indicativos, mas diz textualmente: “é comum ouvir, digamos, um operador PY2 ou UA9 chamando com vários indicativos diferentes.” Conta ele, que quando da operação a VK9C, “um certo operador trabalhou os indicativos da expedição: VK9CXF, VK9CXW e VK9CXJ em várias bandas e chamando em seguida com os indicativos de seus amigos ouvindo como resposta, em alguns casos, QSO B4, pois ele não sabia que seus amigos já estavam no log”. Interessante, muito interessante...
Na sua desenfreada ânsia de trabalhar o país para seus amigos e parentes, eles esquecem que para os bons ouvidos os sinais telegráficos podem ser facilmente identificados pelo timbre, pela cadência e por outras característicos próprias de cada transmissor. Esquecem ainda que há muita gente no pile-up e que esse procedimento é motivo de zombaria e deboche entre os operadores de expedições quando estes se encontram em foruns como Dayton, Visália e tantos outros. Uma vergonha.
Não haverá outro Beethoven e não há mais festas precedidas de anúncios de posses, mas seria muito interessante que não fossemos todos confundidos com a turma da cooperativa.
Arrectis Auribus
de PY2YP - Cesar

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