quinta-feira, 1 de março de 2012

A inversão de polaridade

Dentre as inúmeras obras escritas por Sergeyvich Prokofiev uma delas merece especial destaque por tratar-se de uma obra didática, dedicada a ensinar às crianças conhecer o timbre dos instrumentos e compará-los com os sons da natureza. Nessa obra, Pedro e o Lobo, Prokofiev visava mais do que isso, ensinava como os pais poderiam estimular as crianças a desenvolverem o gosto pela música. No Brasil houve uma cuidadosa edição com narração do cantor Roberto Carlos; esta magnífica peça era presença obrigatória em toda discoteca decente.
Há alguns meses uma jovem senhora paulistana saiu à procura de uma nova gravação, agora em CD, para presentear seus filhos. Após muito procurar, acabou dando-se por vencida e encomendou à Tower Records de New York um exemplar narrado por um conhecido apresentador lusitano. A obra não é mais editada no Brasil.
Nas suas andanças tudo o que a senhora conseguiu achar foram inúmeras versões de músicas de pagode falando do traseiro feminino, ora subindo, ora descendo devagarinho, ora relaxando e algumas vezes encaixando. Puro lixo cultural com claros apelos à incontida sem-vergonhice.
O que anda acontecendo à nossa pobre população? Terá sido o corpo feminino reduzido à sua parte traseira? Trata-se de uma nova cultura onde todos os valores foram reduzidos a este único tema?
Em verdade o problema é mais grave do que se pode imaginar. Os novos meios de comunicação atingiram níveis de abrangência tão grandes que conseguiram inverter a polaridade da difusão cultural. Isto é alarmante.
Desde priscas eras a cultura vinha sendo difundida das camadas intelectualmente superiores para as de menos cabedal. Sempre foi assim. Esta forma permitiu a evolução da humanidade pois o processo vale, não só para as artes, mas igualmente para a ciência. Os agentes financiadores deste processo, conhecidos como mecenas, procuravam no povo, aqueles abençoados pelo talento, pela inteligência e os financiavam não só para seu próprio proveito, mas para usufruto de toda a sociedade. Mozart teve grande parte de sua carreira financiada pelo clero e pelo imperador da Áustria. A humanidade agradece.
O que vemos agora é exatamente o inverso: as camadas intelectualmente despreparadas, desprovidas do conhecimento, nos imputam sua horrenda produção. Por serem muitos, vendem muito e com isso promovem enormes níveis de audiência nos programas de televisão. Não há como escapar, somos obrigados a engolir o lixo. É inexorável. Em breve estaremos cantarolando rap e pagode.
No rádio-amadorismo “moderno” também é assim, a pexizada (é assim que se escreve?) está invadindo as faixas, ora como clandestinos, ora como rádio-amadores, promovidos por mecanismos ilegítimos, chegando em sucessivas e contínuas hordas. Eles chegam não para desenvolver, chegam para “falar no rádio”. E tome: a QSL, a linear, efeito doble, efeito dobles, efeito duple e outros efeitos que eles citam com o estúpido ar de douto que só os imbecis têm. A nova linguagem vinda da ralé é inesgotável: o mesmo, adentrar (substitui entrar), loira suada (cerveja), pé de borracha (automóvel) e vai por aí afora. Causa-nos náusea, um horror. A boa educação foi pelo ralo, agora usa-se palavrão como adjetivo reforçador. Supõe-se que é assim que eles tratam suas mães as quais chamam de progenitoras! (genitoras). Progenitora é a vovózinha.
Seria este o sentido do rádio-amadorismo? Apenas “falar no rádio”, ao invés da busca do conhecimento? Será a demagogia dos governantes e dos fabricantes de equipamentos auto-fágica? A Índia está prestes a dar o exemplo ao pretender por fim ao serviço de rádio-amador. Argumentam as autoridades indianas que o princípio básico perdeu-se e que não há mais motivo para mantê-lo. Argumentam ainda que, em não tendo mais motivo, torna-se um concorrente predatório aos meios comerciais de comunicação. E se o iminente exemplo indiano for difundido? Será o fim?
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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