quarta-feira, 7 de março de 2012

Até quando?

Nada nos falta porque nada somos. (Fernando Pessoa)
A velhinha estava embrulhada em um cobertor surrado assistindo o noticiário da televisão. A noite fria e o vento forte só faziam piorar o estado de espírito, quando uma notícia chamou a sua atenção: “Os deputados reunidos hoje no Congresso Nacional decidiram colocar em votação um aumento dos seus vencimentos”. “Alegam eles que estão há vários anos sem aumento e que os atuais vencimentos não fazem frente às suas necessidades” prosseguiu o locutor do noticiário.
Os tempos andavam bicudos para ela, a pensão deixada pelo seu falecido marido mal dava para as cada vez maiores despesas do mês, que aumentavam na razão inversa do seu padrão de vida. Essa situação vinha se repetindo mês após mês, ano após ano.
O frio estava realmente incomodando – o aquecedor havia sido desligado na desesperada tentativa de equilibrar o parco orçamento – e ela decidiu fazer um chá para se reanimar. Ao chegar na cozinha teve a desagradável surpresa de saber que o chá havia acabado. Mal humorada, desligou a televisão e foi dormir.
Na manhã seguinte foi ao supermercado fazer algumas compras quando se lembrou que precisava comprar chá. Ao pegar na prateleira um pacote de sacos de chá, deparou-se com uma vizinha e comentou com ela o noticiário da noite anterior deixando-a estarrecida. A velhinha, igualmente indignada, disse: “Vamos mandar para o deputado daqui da região um saquinho de chá com uma nota dizendo que se ele não voltar atrás na sua decisão, aumentar o seu salário, nunca mais iremos votar nele”.
As duas velhinhas, entusiasmadas com a idéia, começaram ali mesmo, a conversar com outras senhoras. Tanto fizeram que a travessura foi notícia na televisão local, o que fez aumentar ainda mais o número de pessoas mandando saquinhos de chá para os congressistas.
Um jornalista de plantão no Congresso Nacional notou que estavam chegando muitas cartas, de uma mesma região, para os deputados daquele estado. Investigativo por natureza, o jornalista acabou por descobrir que todas as cartas vinham acompanhadas de chá. Achou interessante e conseguiu, não se sabe por quais vias, uma carta endereçada a um conhecido deputado. Ao lê-la deparou-se com o texto originado no supermercado: “Se o senhor não retirar essa moção de aumento de salário nunca mais receberá o meu voto”. Levou o assunto para a redação e a diabrura das duas velhinhas apareceu no noticiário nacional. Em alguns dias o Congresso viu-se, literalmente, naufragado por chá. Os deputados retiraram a moção e nunca mais se falou nisso. Afinal, o chá é símbolo da liberdade, disseram eles ao arquivar os seus aumentos. Alguns, cinicamente, emendaram: “Em política vale tudo, só não se pode perder eleição.”.
No início deste ano fomos surpreendidos pelo anúncio da Anatel informando que para a outorga de indicativos especiais utilizados em concursos internacionais doravante será necessário o pagamento do Fistel. A licença, com o indicativo especial, terá duração de um mês. Um contesteiro ativo precisará pagar pelo menos 6 vezes a taxa de fiscalização no ano, fora a relativa à sua licença ordinária. Vale lembrar que pagamos a taxa anualmente e não percebemos qualquer fiscalização, a pexizada, os caminhoneiros, invadiram tudo! Não há para quem reclamar, estamos fadados a ver as nossas freqüências invadidas. A destinação dada à taxa é mais um dos insondáveis mistérios que costumam envolver o erário.
Talvez o exercício da cidadania possa nos salvar, a exemplo do ocorrido com as duas velhinhas. Mas como esperar cidadania de um povo que pula catraca? De um povo que tem a frase “levar vantagem” como mote? De um povo que anda de bicleta na contra-mão e acha que é inteligente?
Vamos calar a boca e pagar, é o que nos resta.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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