segunda-feira, 5 de março de 2012

A legitimidade do QSO

Nenhum pássaro voa alto demais quando voa com suas próprias asas.
Papah Yankee estava dando suas baforadas no seu cachimbo favorito, um daqueles escavado na mais fina roseira, com uma piteira que encaixava perfeitamente na sua boca, e estava contemplando o vale quando vislumbrou lá no fundo o que parecia ser uma formação típica de entrada de frente fria.
Estava a imaginar qual seria a correlação das aberturas nas bandas baixas com a entrada das frentes frias. Ou talvez fosse a atividade solar que provocasse a movimentação das massas polares? O problema é que havia muito pouca informação a esse respeito, contudo as observações de todos os cobrões de bandas baixas apontavam nessa direção, a conclusão era óbvia: quando o tempo esfria 80 metros abre. Sem dúvida esse fenômeno era um dos grandes mistérios da propagação.
Estava ele nesses devaneios científicos quando percebeu a presença de Jota QRP e Zé QRO. Eles sentaram-se e Zé QRO, indignado, começou a falar: “Esta manhã, por volta das 08:50 zulu eu escutei um conhecido DXer em QSO com uma estação da China em 20 metros quando ele bateu: OK QSY 3508 NW”. Fui para 80 metros continuou Zé QRO: e escutei o delinqüente batendo a reportagem como se estivesse realmente fazendo o QSO. A essa hora o sol ainda está muito alto na China. Bandido! Não há propagação a essa hora!”. concluiu Zé indignado.
Papah Yankee, sem demonstrar qualquer surpresa, disse: “Zé, é impressionante o que certas pessoas fazem para ter o DX”. Fazem coisas que custamos a acreditar, prosseguiu ele, mentem, inventam QSOs, comportam-se como desvairados, como se colocar uma figurinha no log fosse o derradeiro ato de suas vidas. Tem gente, continuou ele, que submetem-se até mesmo à suprema ignomínia: entram em listas! Uma vergonha! Concluiu Papah Yankee visivelmente horrorizado.
Zé QRO, ainda indignado, falou: – Você acha certo marcar schedule por e-mail? Você não acha isso uma atitude anti-esportiva?.
Papah Yankee não respondeu e perguntou a Jota QRP: - Qual sua opinião Jota?
Jota QRP, disse com muito discernimento: – Acho que é a mesma coisa que o pessoal fazia antigamente: telefonava para os amigos, utilizava o rádio de VHF, mandava cartas para o DX, pedia auxílio àquela senhora, ou como os mais ricos que faziam ligações internacionais para o Don Miller pedindo uma freqüência fora do pile-up na sua próxima expedição.
Creio que é a mesma coisa, prosseguiu Jota, hoje o ferramental mudou, está mais barato, mais democrático. No meu entender, continuou ele, são todos farinha do mesmo saco, não passam de PXs, gente que flexiona no feminino, a QSL, a linear, essa espécie de gente. Como disse aquele sanguinário facínora francês enterrado em ZD7: “Não há nada de novo sob o sol.”.
O que há, ou melhor, continua, prosseguiu Jota, é a velha corrida pelo primeiro lugar, pelo maior número de países, pelo número mais baixo em diploma mais difícil. Essa gente, continuou ele, é capaz de qualquer coisa na inútil tentativa de angariar o respeito dos colegas. Tudo isso não passa de uma grande bobagem. Ars per ars, a arte pela arte, isto é o que conta, finalizou Jota QRP, do alto do seu saber conquistado por anos a fio de operação em potência baixa.
Bem Zé, retomou Papah Yankee, o fato é um só: cada um faz o DX como quer, ou melhor, como pode. Lembro-me, continuou ele, das sábias palavras do grande DXer Bob Locher, W9KNI: “o DX é uma atividade onde cada um estabelece as suas armas e cada um, ao olhar para o seu diploma saberá o exato valor que ele tem. Apenas ele, o DXer, e mais ninguém.”
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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