sexta-feira, 9 de março de 2012

Uma andorinha só não faz verão.

Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. (Fernando Pessoa)
Há muitos anos minha professora de português mandou, como exercício em aula, alterar a entonação e, por conseguinte, a pontuação da frase-título e contar quantas frases diferentes surgiriam. Esse interessante exercício nos mostrava de forma muito clara não só a necessidade da correta pontuação, mas nos levava a refletir sobre o real significado desse velho adágio.
É bastante comum, em épocas de eleição ouvirmos: “Eu gostaria de votar no Dr. Joséas para impedir a eleição do Sr. Paulo Orestes, mas ele não tem qualquer chance”. E assim, de desculpa em desculpa vamos elegendo quem não queremos. Praticamos, de forma infame, o voto útil. Esse tipo de voto que só é útil para os outros, para quem sufragamos, nunca para nós.
A recente eleição presidencial dos Estados Unidos igualmente nos remete a grandes reflexões sobre a importância do voto, a real importância do indivíduo na coletividade e do seu papel nas decisões comuns. No Estado de Novo México, o candidato vencedor ganhou por míseros quatro votos. Isso mesmo, quatro votos. O grupo de amigos que decidiu ir pescar ao invés de votar (a eleição por lá é facultativa) deve estar muito arrependido, seu candidato não ganhou devido a uma prosaica pescaria.
Durante a recontagem dos votos dessa eleição, discutiu-se tudo. Desde a forma anacrônica como os votos são computados em alguns estados, até a legitimidade de uma eleição indireta onde o Presidente pode ser eleito sem ter o maior número de votos. A eleição por lá é indireta, o colégio eleitoral elege o Presidente. Só não foi colocado em questão a participação do povo. Cidadania por lá não se discute, pratica-se.
O grande mestre Niccolo Machiavelli, sempre incompreendido, mas nunca deverasmente lido, nos ensina: “A primeira conjectura que se faz de um governante, e de seu cérebro, é observar o povo que o acolhe."
Os pensamentos de Maquiavel nos assustam porque expõem, com obscena clareza, a nossa miséria cívica. Desgraçadamente, nos ensina que a culpa do desgoverno é do povo.
Quando levantamos a bandeira do civismo e conclamamos a escreverem para seu deputado cobrando uma ação mais efetiva sobre os nossos problemas, sobre a invasão das nossas faixas, pelos irmãozinhos perueiros, pelos coitadinhos caminhoneiros, pelos pobrezinhos traficantes ou pelos incompreendidos seqüestradores, as mais das vezes ouvimos: “Você é ingênuo, acredita em Papai Noel. Imagine que alguém vai dar atenção para sua reclamação”.
Dizem que em alguns estados estão vendendo licenças. O interessado sai de São Paulo, vai a um determinado estado do Norte, “faz” o exame e volta com o indicativo de chamada da oitava região. Rápido, eficiente, perfeito.
Nós, os verdadeiros culpados, não reclamamos, não os criticamos, até mesmo os acolhemos. Não participamos, não cobramos dos nossos representantes uma ação efetiva sobre a clandestinidade, Não denunciamos aqueles que conseguem seus indicativos de forma espúria. Não denunciamos os traficantes, os seqüestradores, os contrabandistas, os perueiros ou os caminhoneiros. Alguns dos nossos, radioamadores devidamente licenciados, até mesmo os tratam como colegas!
Ficamos imóveis, impassíveis, hirtos. E assim vamos perdendo não só nossa participação na sociedade, mas vamos pouco a pouco renunciando à nossa cidadania. Estamos abdicando do nosso mais sagrado direito: o de sermos dignos.
Uma andorinha, só não faz verão.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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