sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A maneira de dizer as coisas.

Uma sábia e conhecida lenda árabe diz que, certa feita, um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse seu sonho.
– Que desgraça, senhor! exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.
– Mas que insolente – gritou o sultão, enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui! Chamou os guardas e ordenou que lhe dessem cem açoites.
Mandou que trouxessem outro adivinho e lhe contou sobre o sonho. Este, após ouvir o sultão com atenção, disse-lhe:
– Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que haveis de sobreviver a todos os vossos parentes.
A fisionomia do sultão iluminou-se num sorriso, e ele mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. E quando este saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse admirado:
– Não é possível! A interpretação que fizestes foi a mesma que seu colega havia feito. Não entendo porque ao primeiro ele pagou com cem açoites e a vós com cem moedas de ouro.
– Lembra-te meu amigo – respondeu o adivinho – que tudo depende da maneira de dizer...
Um dos grandes desafios da humanidade é aprender a arte de se comunicar. Da comunicação depende, muitas vezes, a felicidade ou a desgraça, a paz ou a guerra. Que a verdade deve ser dita em qualquer situação, não resta dúvida. Mas a forma como ela é comunicada é que tem provocado, em alguns casos, grandes problemas. A verdade pode ser comparada a uma pedra preciosa: se a lançarmos no rosto de alguém pode ferir, provocando dor e revolta. Mas se a envolvermos em delicada embalagem e a oferecermos com ternura, certamente será aceita com facilidade.
A linguagem telegráfica é um tanto quanto pobre para transmitir emoções, pois infelizmente, ou talvez felizmente, timbre e tônica não se alteram durante a transmissão. Tudo o que conseguimos é transmitir pontos e traços, friamente, sem entonações que possam demonstrar o estado de espírito do operador.
Como se isso não bastasse, a telegrafia ainda pratica o exercício da abreviação, não se diz “saudações”, diz-se “sds”, ou substituímos “um abraço” por um mísero “73”. Assim, sem emoções e com muita brevidade vamos transmitindo nossos pensamentos, nossas idéias, algumas vezes chegamos até mesmo a rir, hi… hi!!!
Entre nós, não há qualquer dificuldade em nos fazermos entender, sabemos o que significam os códigos e as abreviaturas. O diabo é quando somos obrigados a espantar os malditos clandestinos das faixas de 10, 12 e 40 metros. Não somos compreendidos: eles nos escutam, sabem que estão errados e começam a bradar os seus chulos verbetes, dignos das horrendas criaturas que lhes deu, desavisadamente, às luces.
Temos ainda muita dificuldade para fazer chegar os nossos reclamos aos dirigentes dos órgãos fiscalizadores das comunicações. Recebemos um tratamento ainda mais frio que os nossos pontos e traços. Somos pura e simplesmente ignorados.
Nossos dirigentes acovardam-se ante a necessidade de tomar posição, de assumir com coragem a dimensão do cargo, antes, preferem utilizar o velho e carcomido jargão: “é preciso ter jogo de cintura”. E assim, de desculpa em desculpa, utilizando-se de expressões pré-fabricadas, vão se escondendo de si próprios, da covardia que o poder lhes trouxe.
Talvez, seguindo o exemplo da sabedoria árabe, ao invés de dizermos que os nossos dirigentes são pequenos para os cargos, devêssemos dizer:
– Excelsos senhores! Vossas fecundas administrações farão com que a sociedade lhes assegure um futuro de profunda e anônima quietude.
Arrectis Auribus
de PY2YP – Cesar

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