domingo, 2 de setembro de 2012

Esperando Godot

Samuel Beckett escreveu a peça de teatro Esperando Godot em 1952. A peça retrata o encontro ao acaso, ao pé de uma árvore, de dois vagabundos: Estragon e Vladimir, para esperarem por um certo Godot, não sabem quando ele chegará e nem sequer sabem verdadeiramente por que esperam. Mas estão esperando Godot. Ambos, desesperançados e quase desesperados já não podem viver sem Godot. É este o pretexto dos dois para viverem juntos e esperarem juntos. De vez em quando, um deles tenta separar-se do outro, fazendo uma espécie de excursão, mas sempre volta. Nada acontece. Só resta esperar. Até quando?
A peça foi apresentada pela primeira vez em Paris a 13 de janeiro de 1953 no pequeno Théâtre de Babylone, um teatro de vanguarda. Ficou em cartaz durante o ano inteiro. Teve o mesmo sucesso em Londres e Nova York. A peça foi traduzida para dezoito línguas e representada em todos os teatros do mundo. É um sucesso inexplicável, misterioso. Uma peça cuja ação consiste em não agir, o enredo é este: não acontece coisa alguma. Não só fez sucesso como cunhou uma expressão: esperando Godot, muito utilizada pelos pseudo intelectuais para expressarem qualquer espera infrutífera ou mesmo para a busca de um objetivo que sabe-se de antemão ser inalcançável.
Há algum tempo um aspirante a DXer me perguntou qual o segredo para atingir o topo do DXCC. A resposta não poderia ser mais simples: não há segredo. A única coisa que o DXer tem que fazer é permanecer ativo, não parar. Se olharmos para os quadros do DXCC vamos perceber uma grande quantidade de operadores que desistiram a poucos países do topo, morreram na praia, ficaram sem trabalhar cinco ou seis países, pouco mais, pouco menos. Em geral acontece assim: o DXer fica um ano sem fazer um país novo, nada acontece. Ele já não visita a estação com o mesmo entusiasmo de sempre. Passam dois anos e ele realmente deixa de operar por algum tempo; o livro de registro mostra um QSO aqui e outro acolá. Mais um ou dois anos e a antena começa a mostrar a falta de manutenção, até que um elemento se quebra pelo vento ou por alguma pipa desavisada. O rotor pára de funcionar, o linear na última vez que foi ligado fritou a chave de onda e a estação fica quase inoperante. É assim que o DXer desiste, aos poucos. O interesse pela caça aos países dá lugar a outro hobby qualquer, não demora e o DXer vende alguns itens da estação. Afinal Coréia, ou Navassa, ou quaisquer outros que o levariam ao top não vão sair mesmo, justifica ele. Quando finalmente sai uma expedição ou alguma operação solo, o infeliz já não pode trabalhar o país, ou pior, nem ficou sabendo. Os casos são inúmeros e me abstenho de citá-los, aliás, nem é preciso, eles desistiram há muito tempo.
Como em qualquer atividade as dificuldades surgem a todo instante, os percalços estão aí para serem vencidos. Ninguém fica rico do dia para a noite, claro, excetuam-se aqui os sortudos que ganham na loteria e os corruptos de todos os matizes. Como todas as grandes obras, constrói-se lenta e continuamente, os países vão sendo confirmados um a um. A nossa atividade é inteiramente dependente dos rumos que os políticos dos diversos países dão aos seus governos, com especial destaque aos países ditos democratas. Basta colocar república democrata no nome do país para se ter certeza de que o governo é tudo: totalitário, corrupto, fechado, menos democrata. É preciso apontar exemplos? Basta olhar o mapa geopolítico e lá estão eles, com principal destaque para os continentes asiático e africano. Os ditadores sul e centro-americanos, embora igualmente corruptos, sempre foram mais magnânimes nas concessões de licença para operação de rádio, o que de certa forma é um tanto quanto inexplicável, mas agradecemos assim mesmo. Há muitos anos era impossível um QSO com China, Albânia, Burma, Yemen, Lybia e outros tantos países sob governos democráticos. Nós DXers, ficávamos a esperar indefinidamente por esses e tantos outros. Para termos um pálida idéia de como era o mundo à época da guerra fria basta lembrar que para trabalhar qualquer um desses países o tempo médio de espera era de algo perto de 20 anos. Eu esperei 14 anos para trabalhar China, Moçambique, Laos, Cambodja e Vietnam; 17 anos para trabalhar Burma e Albânia; 23 anos para conseguir fazer Heard Island e Kermadec e, por último, 30 anos para conseguir Andaman. Este último saiu no começo da década de 80 mas eu havia ficado QRT entre janeiro de 1983 a abril de 1988 não pude trabalha-lo. Nesse mesmo período eu perdi, além de Andaman, Lybia, Heard e Kermadec que igualmente tiveram operações curtas. A paradinha custou caro.
Os tempos mudaram, hoje os países de maior tempo de espera, à exceção da Córeia do Norte, são aqueles que demandam maiores custos para uma expedição, como é o caso de Heard e Bouvet ou de países que têm restrições ambientais para permitirem uma expedição: Navassa, Kingman Reef e os nossos conhecidos Rochedos que recentemente começaram a sofrer restrições ambientais. Restrições estas - que embora corretas, são nas mais das vezes exageradas - estão dando oportunidade impar aos burocratas de plantão, veja que o fenômeno é universal, para imporem seus autoritarismos inconsequentes e desvairados e com isso exporem-se às mídias locais para consecução dos seus projetos políticos pessoais. As restrições, à exemplo da peça de Beckett, entraram para o modismo e vieram para ficar, Wake Island, KH9, em breve entrará para o top ten dos most wanteds. A ombrear com Wake entrarão na lista das ambientalmente proibidas diversos países do DXCC por encaixarem-se à perfeição para ostentarem o respeitável rótulo de santuários ecológicos: South Sandwich, Glorioso, Bouvet e outros, a lista é muito longa para citá-los aqui. Uma vez declaradas santuários ecológicos da humanidade serão imperiosas as concessões de licenças expedidas pelo Green Peace, ONU e várias ONGs corruptas.
A espera pode ser mais curta ou mais longa, a depender dos países que faltam, isto é, se dependem de autorização dos ditadores políticos ou dos ditadores ecológicos, ambos totalitaristas e desprovidos do mais comezinho bom senso. Por sorte, os ditadores não são perpétuos, alguns têm mandatos(?) mais curtos ou mais longos, mas cedo ou tarde, serão substituídos ou mortos. A velha e iracunda senhora dizia: "se o país existe, cedo ou tarde, você vai trabalhar." Assim, para que a espera não seja dolorosa, ficaremos a trabalhar o WAZ em todas as bandas, IOTA, Challenge, modos digitais ou outras atividades que não deixem as antenas caírem por falta de manutenção ou então sentaremos à sombra de uma árvore e poremo-nos a esperar Godot.
73 DX de PY2YP - Cesar

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