sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um janeiro quente

O mês de janeiro começou morno, sem graça, nada de novo nas bandas, apenas a expectativa de que ao seu final a movimentação deveria esquentar com FT5 e A5 ambas programadas e muito aguardadas. Para mim a expectativa de dois países novos em 10 metros me deixou com os dedos duros, apesar do A5 estar previsto apenas em fonia, mas ainda assim novo na banda. Nos 10 metros a possibilidade de fazer um único país no ano já é, em si, remota, fazer dois é um sonho louco, perdê-los, um pesadelo. Eu preciso de 6 países em 10 metros e apenas 4 em 15 metros; Amsterdam eu preciso nas duas bandas. É este o peso desta expedição: duas bandas difíceis e em uma delas, 10 metros, praticamente impossível.
Alguns dias antes da expedição preparei um mapa de MUF para o Sérgio, PP5JR, levar para sua operação em Bhutan. Ao elaborar a previsão aproveitei para estudar cuidadosamente as possibilidades em 10 metros, única banda que me interessava. O resultado foi claro: por volta das 12:00 UTC com possibilidades dobradas, via LP e SP, mas ambas com as mesmas intensidades de sinal: próximas de zero, ligeiramente acima do meu nível de ruído. Apesar disso fiquei otimista, o Sérgio é experiente e iria ouvir os brasileiros com atenção.
Já para Amsterdam as previsões eram desanimadoras, em 15 metros sinais meramente audíveis e em 10 metros simplesmente não havia MUF; possibilidades remotas de propagação marginal com sinais raquíticos quando muito. Ausência total de propagação em long path. Este era o quadro.
Meu primeiro QSO com Amsterdam foi com FB8ZM em agosto de 1978 em 20 metros CW. Em setembro de 1988 eu falei com uma estação em fonia, bem cedo aqui e pela hora do almoço dele e ouvi: I'm sorry but I must leave for working. I'll be back tomorrow. Não me deu a reportagem, não me colocou no log e tampouco voltou no dia seguinte ou em qualquer outro, sumira. Só fui trabalhar Amsterdam em fonia em 1998 na expedição de FT5ZH, fiz em 80, 40 e 20 metros todos em fonia. No domingo, 26 de janeiro, fui para Indaiatuba logo cedo e devidamente municiado com todas as ferramentas indispensáveis para trabalhar as tão esperadas expedições: mapas de MUF, SDBW, NDBW, um FT-1000MP Mark V de backup e o gato.
Domingo, 26 de janeiro. Depois de desmontar uma TV de 32" para retirar a placa T-Con que pifou, ajeitei a estação, verifiquei as antenas, amplificadores, limpei o manipulador e arrumei toda a bagunça; os dois transceivers estavam devidamente revisados e alinhados, ambos com as recepções impecáveis e com filtros prontos e ajustados para enfrentar qualquer pile-up. Nessa mesma noite trabalhei FT5ZM em 40m CW apenas para colocar meu indicativo no arquivo de master call deles e facilitar o super check partial, mas tanto a banda quanto o modo não me interessavam em nada.
Segunda-feira, 27 de janeiro. Acordei com o gato andando nas minhas costas. Treinei o gato para me acordar quando o sol está a precisamente -6º de elevação, bem no gray-line náutico. É um despertador eficiente, não faz barulho e não precisa dar corda. Levantei, peguei a vasilha de ração do gato e fui para o shack. O gato gosta de ficar na janela e assiste o gray-line com grande atenção, fica vendo a mudança de cores da vegetação, os pássaros e toda a movimentação do amanhecer, é sem dúvida sua hora favorita do dia; e minha também porque o gray-line sempre traz boas oportunidades. Sintonizei o receptor em 15 metros e comecei o dia. Sinal fraco em 15 metros CW e pile-up monstruoso, vociferante, tonitruante. Impossível. Chamar aqui, pensei, será pura perda de tempo e desgaste das válvulas. Mudei para 10 metros. Sem sinal mas pile-up mais bravo do que em 15. Nada a ser feito. Ainda assim passei boa parte da manhã estudando o comportamento dos operadores e ali pelas 11 horas desliguei tudo.
Terça-feira, 28 de janeiro. Enfadonha e assustadora repetição. Nas bandas altas a mesma situação, sinais copiáveis, muito fracos e pile-up desencorajadores. Os europeus comandando o espetáculo, por volta do meio-dia desliguei tudo e fui cuidar da vida.
Quarta-feira, 29 de Janeiro. Recebo um telefonema informando que o FT5ZM está forte em 17 metros fonia. O gato e eu, ambos meio sonolentos fomos para o shack, o gato irritado por ter perdido hora e eu animado, liguei o linear, o computador e o rádio, nessa ordem e procurei pelo sinal do FT5. Lá estava ele com um excelente S6 e sem interferência lateral, ruído ou qualquer outra coisa que pudesse atrapalhar. Linear aquecido e sintonizado, tudo pronto mas vejo que falta o principal: o microfone. O microfone não fica na mesa para não atrapalhar e nessas horas sempre me pergunto por onde anda o maldito microfone. Agora sim, estou pronto para começar a chamar, ele está atendendo exatamente 10 acima e não oscila muito, está voltando ali mesmo. Lá pela quinta ou sexta chamada o operador com forte sotaque russo me atende e chama only South America durante vários segundos mas como não há qualquer outra estação deste canto do mundo ele volta para os europeus e vez por outra chama only SA. Ao cair da noite escuto forte em 14.185 e trabalho sem grandes dificuldades.
A noite, ao final da novela fui para o rádio e os escuto forte em 40m SSB. Um QSO dos mais desnecessários, já tenho confirmado na banda e no modo, mas chamo umas duas vezes e vou para o log às 22:04 local. Nada demais mas pelo menos alivia a tensão. O amanhecer deles é exatamente nesse horário, portanto mais alguns minutos e eles terão que encerrar em 40 e 80 metros. Fui para 10.115, preparei o linear e fiquei esperando, ouvindo o silêncio, vez por outra alguém se atrevia a usar a frequência mas era enxotado. Esperei por exatos 35 minutos para, finalmente, ouvir CQ CQ de FT5ZM 3 UP. Chamei sem mais ninguém atrapalhando e na segunda chamada ele me atende. Agora sim, as coisas estão pegando rumo, tenho duas bandas novas com 5 QSOs, mas, nas bandas altas a situação estava a requerer imediatas e eficazes providências. Fui dormir mais animado.
Quinta-feira, 30 de Janeiro. Nada. Zilt. Passei a manhã toda ouvindo em 15 e 10 metros, mas sem chance. Vez por outra, teimosamente, batia meu indicativo mas sem a menor possibilidade. A continuar assim terei que ficar aqui duas semanas e isso é absolutamente impossível, tenho compromissos em SP e não posso ficar a disposição de Amsterdam. Ligo para um amigo e combinamos enviar alguns e-mails para os pilotos, eu fiquei encarregado de mandar para o Stan, KH6CG que conheço há muitos anos e explico a situação: as antenas quando viradas para a Ásia, USA ou Europa, a América do Sul fica sempre de lado com perda entre 25 e 30 dB, lembrando que 30 dB equivale a multiplicar a potência de transmissão por mil, ou o sinal que nos chega tem potência mil vezes menor do que na Europa, por exemplo. Quando os operadores viram para a costa leste dos USA, por onde poderíamos aproveitar uma parcela do lóbulo de irradiação, a propagação já se foi e não temos mais possibilidade. A continuar assim, explico, eles terminarão a expedição sem um único contato com a nossa região em 15, 12 e 10 metros. Para ilustrar o problema mando acompanhando o e-mail um mapa azimutal centrado em Amsterdam. Providências tomadas só nos resta aguardar.
Sexta-feira, 31. Desta vez o gato não perdeu hora e fomos para o shack antes das 06:00. Nada nas bandas altas, apenas aquele ruído de ovo frito tão característico de banda fechada. Por volta das 06:20 15 metros CW começou a acordar e os sinais melhoraram rapidamente; comecei a chamar com todos os watts disponíveis e, finalmente, às 06:37 o país #346 em 15m foi para o log. O dia prometia, sem a menor das dúvidas eles viraram a antena. Depois que trabalhei fiquei algum tempo escutando e o sinal chegou a honestos e reais S6. Muito bom. Fui tomar café e quando voltei o S-meter em 10 metros já dava sinais de vida. A pancadaria estava grande mas às 08:21, igualmente, o país #346 em 10 metros foi para o log com um lindo e sonoro 5NN. Os pilotos foram eficientes, a expedição virou a antena e deu tudo certo.
Ao cair da tarde escutei A52JR em 40 metros. Excelente, o Sérgio está no ar e amanhã tenho que estar cedo para aproveitar a propagação da manhã em 10 metros.
Sábado, 01 de fevereiro. O dia começa cedo, às 07:09 consegui trabalhar o FT5ZM em 17 metros CW com muita facilidade. Fui para os 12 metros e por volta das 08:45 horas escuto o mesmo operador de sotaque russo atendendo exatamente 10 acima, como no dia em que fiz em 17m. O sinal bom deu a entender que as antenas ainda estavam sendo viradas para cá de tempo em tempo. Chamei algumas vezes e fui para o log exatamente às 08:59. Agora sim, tenho Amsterdam em todas as bandas e me falta apenas um QSO em RTTY para colocar o país ao mesmo nível da Bolívia. Mas ainda há outros peixes para serem fritos portanto vamos ao trabalho.
Apareceu um spot informando que o Sérgio estava em 15 metros e fui lá ouvir. Sinal minúsculo pelo SP, virei para o caminho longo e chegou bem. Falei com ele e pedi para ir para 10 metros. Ele disse que em meia hora estaria em 28.430, enquanto esperava voltei para 12 metros e escutei o operador russo informar que iria para 15 metros SSB. Fui junto e aproveitei o pile-up reduzido e o trabalhei sem dificuldade às 09:31. Voltei para os 10 metros e estacionei em 28.430 para esperar pelo Sérgio, antena pelo caminho curto, que era minha aposta inicial; às 09:48 escuto A52JR chamando geral e falo com ele sem dificuldade, sinais pequenos mas audíveis. País #347 em 10 metros no log.
Domingo, 02 de fevereiro. A vantagem de operar RTTY em FSK está em aproveitar todos os filtros do rádio, cair exatamente na frequência de transmissão do spot além do aumento na legibilidade de sinais fracos, eu diria que é um equipamento indispensável para quem quer fazer o DXCC em RTTY. E lá estava o FT5ZM em 21.080 escutando acima. Mas quanto acima? Com a antena apontada para Amsterdam os sinais da Europa não eram decodificados e não conseguia escutar o contemplado. Um horror. Por sorte o PY2NQ trabalhou em 21.084 e me deu uma indicação para onde estacionar meu TX, depois de umas dez ou quinze chamadas ele me atende com toda clareza. Agora sim, posso arrumar a tralha e voltar para São Paulo. Amsterdam está definitivamente fora de qualquer preocupação.
Expedições como essa, operadas de locais cuja direção de antenas nos colocam em nítida desvantagem com as zonas de maior interesse, exigem muito preparo, dedicação, disponibilidade de tempo e uma boa dose de sorte. Apenas 3 estações sul-americanas conseguiram trabalhar FT5ZM de 10 a 80m, todas do Brazil. Infelizmente em 160 metros não houve condições e nenhuma estação brasileira trabalhou.
73 DX de PY2YP - Cesar

2 comentários: