domingo, 26 de maio de 2013

Hipérbato

A civilização grega, ao tempo das cidades-estado, desenvolveu-se em níveis nunca antes experimentado pelos povos ocidentais, o progresso era tanto que as artes tinham lugar garantido na lista de preocupações e no gosto do povo. Os anfiteatros eram muito bem construídos com o palco no lugar geométrico dos ouvidos da audiência de forma que o artista não precisava elevar a voz para ser ouvido, não havia amplificadores nem microfones, nem precisava, esses ambientes abertos eram uma perfeição da engenharia acústica. Lá no palco declamavam-se poesias com as mais variadas métricas. Os ouvintes batiam os pés, esquerdo e direito, alternadamente para marcar a entonação das sílabas, essas batidas eram denominadas iambós, batidas de pé de verso: uma curta e outra longa, batidas iambicas. Os gregos fizeram escola e até hoje os poetas, os de boa estirpe, usam os ensinamentos para suas métricas: sáfico, heróico, alexandrino e outros tantos. Cada linha da poesia tem que ter um número determinado de sílabas e a rima, uma coincidência de fonemas, em geral a partir da última vogal tônica de cada verso, é o que dá vida e graça ao texto. Dentre os mais variados tipos de poesia, a mais difícil, a de mais rigorismo é a parnasiana.
Um poeta parnasiano de peso - não um desses repentistas que ficam falando bobagens rimadas - não abre mão do rigorismo formal. Para conseguir a rima dentro da métrica inflexível ele acaba por fazer concessões gramaticais, ou, como querem os puristas, criar formas gramaticais para conseguirem seus intentos. Por exemplo: “Não é que o meu o teu sangue / Sangue de maior primor.”. Alexandre Herculano inverteu o texto para atender o rigorismo exigido pela sua poesia e ao inverter o texto dificultou o entendimento. Tivesse escrito: “O teu sangue não é de maior primor que o meu.” o entendimento do texto seria mais fácil mas o rigorismo poético não seria atendido e isso os parnasianos não admitem, não fazem concessões. A figura gramatical para a inversão do texto chama-se hipérbato que basicamente é o mesmo que anástrofe, nome que se dá para inversões curtas.
Um DXer de peso, sério, jamais abre mão dos seus princípios éticos, dos rigorismos formais do DX. Não pode conceber ou admitir colocar no seu log um contato que não tenha sido feito por ele mesmo. A gronga é para aquela gente advinda de outras freqüências, daquelas que compartilham com seus iguais: entregadores de pizza, taxistas, caminhoneiros e outros tantos. Enquanto esse rebotalho humano fique restrito às frequências altas, lamentamos mas passamos ao largo, não nos misturamos e vamos levando a vida. O diabo é quando um desses mal feitores radiofônicos, isso mesmo, esses foneiros, se metem a operar DX em bandas baixas. Bandas onde o objetivo não é só contar países ou zonas, antes, o objetivo é o contato em si. Luta-se pelo QSO para alcançar distâncias inimagináveis em 80 ou em 160; esforça-se para escutar sinais fracos dentro do QRN que judia dos tímpanos; concentra-se até a exaustão para copiar o indicativo, aos poucos, letra por letra até completá-lo. Ars per ars, a arte pela arte. Os DXers parnasianos não admitem concessões de qualquer espécie: inverter a ordem natural das coisas conseguindo o QSL sem ter feito o QSO; declarar uma operação QRP e operar com potências vinte vezes maiores; participar de contestes em categorias não-assistidas e operar com o cluster à sua frente ou, pior, participar de competições sem ao menos estar presente na sua estação. Essa gente, essa espécie de gente, esses foneiros, não passam de repentistas de feiras-livres, não conseguem o respeito da comunidade, faltam-lhes muito, faltam-lhes talento e capacidade, sobram-lhes apenas o desejo de subir o Olimpo, reservado apenas para aqueles que não fazem concessões: os parnasianos.
73 DX de PY2YP - Cesar