quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Baker and Howland

Ali pelo fim de fevereiro de 2002 recebi uma ligação do Marijan, S56A, me convidando para uma cerveja aqui em São Paulo. O Marcelo, PY1KN, também estava em SP e fomos todos jantar no velho filé do Morais, ali na praça Júlio Mesquita. Ao cabo do jantar perguntei ao Marijan, agora rebatizado como Mário, se ele gostaria de conhecer Indaiatuba onde tenho a segunda estação, convite prontamente aceito.
No dia seguinte, ali perto do pedágio, o Mário perguntou: "o que você tem que fazer em Indaiatuba? Voltamos a SP até a noite?". Eu respondi: "sim, voltamos a noite a tempo para uma pizza com muito chopp, só vamos a Indaiatuba erguer 6 torres e voltar", coisa rápida, finalizei. O Mário não conseguiu esconder um certo ar de zombaria mas nada disse. Depois do almoço em Indaiatuba, por volta das 14 horas começamos a levantar as torres com auxílio de um guindaste e terminamos tudo antes das quatro da tarde, a operação toda gastou 1 hora e 54 minutos, precisamente. Voltamos para SP discutindo bastante as vantagens da 4 square e como imaginaríamos seria o seu comportamento.
No final da noite, depois de muita cerveja o Mário confidenciou: "Cesar, você vai ter uma boa oportunidade de testar a 4 square, ainda é confidencial, mas em maio estarei operando de Baker and Howland com o indicativo K1B numa grande expedição."
Consegui terminar a construção do restante da antena à tempo da operação. Foi uma trabalheira dos diabos: lançar 5 quilômetros de fio para montagem dos radiais, lançar os coaxiais fasados, montar a caixa de comutação; testar e ajustar as 4 verticais foi um capítulo à parte e uma operação um tanto quanto delicada. As verticais isoladamente se comportam de uma forma e quando ligadas em fase, de outra completamente diferente, mas deu tudo certo e finalmente chegou o grande dia de testar a antena para valer, enfrentando um pile-up junto com os americanos e esclarecendo de vez todas as dúvidas: a antena funciona? Ou será que tudo não passará de um amontoado de ferro no quintal? Será que tanto investimento valeu a pena?
Os primeiros mil QSOs em antenas montadas em array, são cruciais para o seu desempenho; devem ser feitos com potência inferior a 100 watts e ir chaveando as verticais a cada 10 ou 20 comunicados. Se isto não for feito corretamente o risco da antena ficar com deformações permanentes nos lóbulos parietais é enorme. As deformações decorrem das correntes de Humboldt que alteram significativamente os módulos de Young conforme ensinam as leis de Hooke. Como não daria tempo de amaciar a antena - afinal fazer mil QSOs em 80 metros não se faz da noite para o dia, ainda mais com potência reduzida - decidi correr o risco de usar antena sem o período de amaciamento. De qualquer forma como ela precisava de um ajuste fino, o amaciamento poderia ser feito numa segunda etapa.
A operação de K1B começou no dia 29 de abril mas só pude ir para Indaiatuba na 6a feira, dia 3 de maio. Ao cair da tarde liguei a 4 square e testei com alguns europeus, em fonia para poder conversar e chavear as torres para perceber as diferenças, afinal era tudo novidade para mim. Depois de mais de duas horas me dei por satisfeito, trabalhei: LA, EI, EA, DL, PA. YL e um ES. Parece que está tudo bem com a antena e pronta para a briga do amanhecer para trabalhar o K1B. Desliguei tudo e fui dormir.
Quem opera 80 metros sabe que não adianta levantar muito cedo, a banda fica boa a partir do metade do grayline. Pelos meus cálculos a largura do grayline seria de 50' 16" o que me daria 25 minutos mais 8 minutos após o nascer do sol quando a camada D se formaria e bloquearia completamente a banda. Bem, 33 minutos é um bocado de tempo para o pile up. Fazendo a conta inversa eu precisaria estar na estação a partir das 06:00 não antes disso. Mas como a ansiedade era grande acordei as 05:15 e fui para o shack. Haviam indicações que o K1B estaria em CW e assim optei por sintonizar o linear em 3.505, ativei a torre que aponta para o Pacífico e deixei tudo pronto. Corujei um pouco 30 metros mas nada interessante por lá. Em 40 metros o K1B estava forte, consultei o log e achei AH1A em 40 e assim não me dei ao trabalho de chamar.
Voltei para os 80 mas banda estava completamente morta, o que não é raro acontecer no período que antecede o amanhecer. Por volta das 06:00, como previsto, comecei a escutar alguns americanos da costa oeste, um VE7, mas nada do K1B, pile-up mesmo só na minha imaginação. Passados uns 15 minutos, comecei a enxergar as torres da 4 square no meio do nevoeiro, uma imagem meio fantasmagórica, mas ainda assim imponente. Pensei: espero que consiga o QSO, já escutei uns pontinhos do 599 em 3504, mas indicativo mesmo não consegui copiar ainda.
Os meus estudos heurísticos, metafísicos e cabalísticos indicavam o nascer do sol precisamente às 06:30:25, mas o tempo estava passando e nada de escutar um sinal decente. Às 06:18 um californiano chegou forte, depois um K5 chegou bem, a banda estava acordando. Dois minutos depois o K1B começou a chegar com sinais por volta de S2, ligeiramente acima do ruído. Desliguei o AGC, reduzi o ganho de RF e lá estava ele com sinais copiáveis. Comecei a chamar em 3.507 onde vez por outra um americano passava a reportagem, o pile-up ainda não estava chegando na sua totalidade, apenas uma ou outra estação mais forte.
Ops! Que diabos é isso? Um argentino chamando geral em 3.503! Filho de um dipolo! O splatter dele está atrapalhando a recepção de Baker. Mudo para a frequencia dele e quando ele para de chamar DX eu bato: LU5QRO DE PY2YP PSE QSY QRM ON K1B QRG 1 UP. O argentino, muito educado, responde: VY SRI PSE CFM K1B QRG. Informo a ele a frequencia correta e o split e tudo fica em paz, ele ainda não tinha recepção para Baker e parecia que seria país novo na banda para ele também.
Volto para frequência do K1B e os sinais estão bem melhores mas com um pouco de QSB. Chamo algumas vezes mas o sinal dele voltou para dentro do ruído. As torres agora estão perfeitamente visíveis, já posso distinguir as cores do quintal, mais uns minutos e o sol nascerá. Hummm... o K1B acaba de atender um venezuelano, bom sinal, a propagação está abrindo mais para o Sul, mais um pouco e deveremos ter algum resultado.
Ah! Finalmente o sinal dá mostra de querer se recuperar, já escuto as reportagens, talvez valha a pena voltar a chamar. O operador é competente e está rápido agora, volta de primeira e não engasga com os indicativos, ajusto a velocidade para 40 ppm e vou à luta. Os americanos estão fortes e o pile-up está organizado. Chamei em cima de um N4 mas não consegui, mais um, agora um Colombiano consegue furar o pile-up, chamo em cima, mas o K1B volta para um K5, subo 200Hz e chamo. Nada. O sol já nasceu, continuo chamando e às 06:32, precisamente 2 minutos após o nascer do sol, escuto ele voltando para um chileno: CE5AR, mas que diabos parece que faltaram alguns pontos no 5, foi curtinho! E ele prossegue: ...GLD TO WRK U UR 599++ IS IT THE 4SQR? Ah! Ah! Caiu a ficha!Não era um chileno, ele batera CESAR e não CE5AR! Respondo imediatamente: HI MARIO UR 599 YES IT IS THAT GLAD TO LOG U 73 TO U ES CREW. E ele retorna: TNX CESAR QRZ UP. Ele não bateu meu indicativo e nem eu o dele, mas o QSO vale da mesma forma. Ainda fiquei corujando por algum tempo; o sinal fez o pico às 06:38, bem em cima da previsão, chegando a mais de 20 dB acima de S9, para logo em seguida cair quase que na vertical.
Anotei o contato no log, levantei da cadeira e ainda de pijama fui até o quintal e abracei uma das torres. Fiquei realmente emocionado em ver um sonho de anos se tornar realidade. Mesmo não tendo concebido a antena, a construção e o projeto foram meus. A antena ainda passaria por um ajuste fino, o que viria a fazer algumas semanas depois até me dar por completamente satisfeito. Mesmo sem os ajustes finais ela havia passado com louvor no primeiro teste real.
73 DX de PY2YP – Cesar

terça-feira, 2 de outubro de 2012

QSL não custa, vale

Quanto custa o seu DXCC? Ou seria melhor perguntar quanto vale seu diploma?
Há uma diferença abissal entre os conceitos de preço e valor. O desconhecimento destes conceitos tão pouco solidificados, mesmo entre alguns economistas importantes, induz as pessoas a cometerem erros grotescos. Para que um negócio seja fechado é obrigatório que as partes concordem com o preço e discordem do valor. Um bem de qualquer natureza somente é negociado, isto é, troca de mãos, quando, e somente quando, essas duas premissas são atingidas; por exemplo, algo mais ou menos assim: o vendedor é possuidor de um linear velho, em bom estado, mas muito antigo e anuncia o bem por, digamos, 3 mil reais; o comprador, interessado na aquisição do linear, se aproxima do vendedor e oferece 1 mil reais. Depois de muita discussão entremeada por sorrisos, elogios e algumas palavras para desvalorizar o pobre amplificador, comprador e vendedor finalmente concordam em ajustar o preço em 2 mil reais. O vendedor fica feliz e pensa com seus botões: “se esse pato tivesse firmado em 1 mil eu teria entregue, afinal é um equipamento velho e não tem qualquer utilidade para mim.”, o comprador por seu turno pensa: “se esse trouxa tivesse firmado posição nos 3 mil eu teria pago, outra pechincha desta não vou achar tão cedo pois é um bem de coleção e ainda por cima está em bom estado.” O valor atribuído pelas partes foram divergentes enquanto o preço após a discussão acabou por convergir. Ao final ambos voltaram para suas casas felizes por terem realizado um excelente negócio. O interessante deste conceito é que o preço é dinâmico, enquanto o valor é menos infenso a variações. No minuto seguinte ao fechamento do negócio o novo possuidor poderá não concordar em revendê-lo pelo mesmo preço, poderá aumentá-lo para ganhar algum dinheiro ou poderá diminui-lo para se livrar do bem, se entender que comprou errado, ou que este não mais irá atender às suas expectativas estabelecidas por ocasião da negociação. O preço é sensível também à proximidade física tanto de compradores quanto de vendedores; se houver mais pessoas interessadas no linear, numa feirinha por exemplo, o comprador poderá fechar o negócio mais rapidamente pagando um pouco mais, premido pelo medo de que outro interessado se antecipe à sua decisão. É este conceito que faz com que os leilões sejam um instrumento de venda importante. Igualmente, o preço tenderá a cair se aparecer alguém com um outro equipamento semelhante. O vendedor diminuirá a pedida antes mesmo de saber quanto o outro dono pedirá pelo seu linear. Por outro lado, quando as partes concordam com o valor, seja este alto ou baixo, não há negócio pois não há qualquer possibilidade de se discutir um preço.
Voltando à pergunta ad initium: quanto custa o seu DXCC? Ou melhor, quanto vale? O custo é relativamente fácil de calcular, basta somar os custos diretos para confirmar os QSOs: impressão de cartões, envelopes, selos, IRC, dólares e os custos de aquisição e manutenção da estação e pronto teremos o custo. E o valor? Esta resposta é ainda mais fácil: nada! Sim, o seu diploma não tem qualquer valor, vale zero, zilt, none, nihil, nada. Está a duvidar? Não acredita? Pergunte a qualquer viúva de radioamador o que ela fez com os cartões e diplomas do falecido. Tente vender um QSL daqueles bem raros como HZ1BS/8Z4, ou VS9KRV de Kamaran, por exemplo, se conseguir uns dois ou três dólares no e-Bay por algum maluco será muito. Tente oferecer o seu adorado diploma 5 BWAZ e veja quanto alguém paga. Ah! Eis a questão: o diploma, os cartões só têm valor para o DXer e para mais ninguém. Olhado por esse prisma pode-se perguntar: como um DXer consegue desvalorizar suas conquistas tornando-as espúrias, fruto de falcatruas, mentiras e outros expedientes? Ou, a pior das ignomínias: pedir para um amigo para fazer o comunicado com seu indicativo enquanto está ausente, apenas para aumentar mais um ponto na competição. Ao agirem assim, não se classificam, não se qualificam, não angariam o respeito dos seus pares. Para essa gente o QSL não vale, custa.
73 DX de PY2YP - Cesar